Conferência ICHOM em Portugal
O médico António Vaz Carneiro
Para António Vaz Carneiro, médico e professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, a homeopatia é “totalmente inaceitável”. “São copos de água a 50 euros. A maior parte das pessoas que vai às medicinas alternativas vai por sinais e sintomas benignos que passariam por si só”, indicou em entrevista ao jornal i.
Na entrevista divulgada no domingo – em que falou sobre o seu novo livro, os mitos da saúde e as terapias alternativas – afirmou que a homeopatia associa-se ao efeito placebo. “Só pode ser pois quando dizem que a metodologia é meter a planta, agitar e depois ir diluindo 50, 80, 100, 200 vezes, às 200 vezes a hipótese de lá estar uma única molécula é nula. É uma densidade inferior a tudo o que existe no universo. Não se pode estabelecer aí nenhuma relação causa-efeito”, defendeu.
Para o médico, não faz sentido o Infarmed ter um licenciamento simplificado para medicamentos homeopáticos. “Aceita-se porque é assim que se faz na Europa mas é um erro na minha perspetiva. Ou tinham provas de eficácia iguaizinhos aos outros e entravam no mercado ou não têm e não entravam”, salientou.
Sobre a existência de benefícios das terapias não convencionais, o professor de medicina acredita que existem, mas apenas em algumas áreas da acupuntura aplicados a quadros de dor: enxaqueca, dor pós-cirurgia ou dor do joelho, por exemplo.
Interpelado pelo jornal i sobre efeitos que o intriguem nas medicinas não convencionais, António Vaz Carneiro deu o exemplo da quiropraxia. “A quiropraxia é uma massagem que com certeza poderá tirar dores nas costas e no pescoço. Nenhum problema com isso. Quando a quiropraxia diz que vai tratar o cancro do cólon é que me meto”.
“O problema é que o pessoal das terapias alternativas exagera sempre os benefícios. Há um lado prudente, que envia os doentes aos médicos, mas depois há o lado escuro das terapias alternativas. Vai à Internet e facilmente encontra páginas que dizem que curam o cancro com homeopatia. Dá para distinguir por aí: quando dizem que uma coisa trata 30 doenças distintas. Nenhum medicamento que é para o cancro trata a cefaleia. Como é que um modelo biológico tão bem estudado é ignorado olimpicamente para se vender uma terapia que cura tudo? Tem de haver o mínimo de razoabilidade”, referiu.
Embora as terapias não convencionais tenham sido regulamentadas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou recentemente o diploma que reconhecia interesse público a uma escola, indicando que não existe validade comprovada. Mas os medicamentos homeopáticos são vendidos nas farmácias.
Quanto à posição “pouco clara” do Estado quanto à questão, o médico indicou que esse “é o drama da posição politicamente correta”. “Não tenho nada a opor à venda de medicamentos desde que provem a sua eficácia, o que neste momento não acontece. Serem vendidos nas farmácias dá-lhes uma credibilidade que não têm”.
Há 20 anos empenhado na defesa da medicina baseada em evidência – um tema na ordem do dia devido às terapias não convencionais – António Vaz Carneiro falou sobre alguns mitos na saúde, tema que aborda no livro. A obra começa por desmontar a ideia de que beber leite de vaca faz mal à saúde, uma “cruzada sem fundamento científico”.
Segundo o próprio, “a dieta tem sido palco de grande discussão: O que faz bem ou não faz”. “Em todos os temas que coloco no livro, há uma metodologia que procurei seguir: para cada convicção que as pessoas têm, indico se há estudos que dizem que sim ou que não. A campanha contra o leite tem muitos anos, é periódica. O mesmo com a carne: há pessoas que acham que a carne é extremamente maléfica para a nossa dieta”.
Indagado sobre o alerta que a Agência de Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde (IARC) fez quanto ao risco do consumo de carnes vermelhas e processadas, o médico adiantou que essa informação foi comunicada “de maneira errada”.
“Ao dizer que comer 50 gramas de carne processada (presunto, salsichas…) aumenta 18% a probabilidade de ter cancro do cólon e que comer 100 gramas de carne vermelha aumenta 17%, induz as pessoas em erro. As pessoas interpretam que a cada 100 doentes que comam essas quantidades de carne, 17 vão ter cancro”, esclareceu.
E acrescentou: “O que sabemos é que uma em cada mil pessoas vai ter um cancro do cólon ao longo da sua vida, a incidência é de cerca de 100 por 100 mil habitantes. Este risco explica-se então assim: se cada 100 mil portugueses que vivam, por exemplo, 75 anos deixarem de consumir carne vermelha e processada, 17 indivíduos beneficiam. Os outros 99 983 não”.
Em relação à intolerância à lactose, António Vaz Carneiro reconheceu que entre 50% a 60% da população tem alguma intolerância à lactose, mas são uma minoria as que têm manifestações graves. “Mas isto é uma coisa, outra é ouvirmos o argumento de que não há nenhuma espécie que beba leite em adulto por isso também não devemos beber”.
De acordo com o médico, a composição do leite é sobreponível a muitos outros alimentos: tem proteínas, minerais, um bocadinho de sal.
“Uma crença é isto: acredita-se que o leite possa ser um alimento negativo mas não há provas objetivas de que pessoas que beberam muito leite vs pessoas que não beberam leite apresentem diferenças significativas na incidência de cancro ou outras doenças. Cada vez que falamos da componente de dieta temos de ter muito cuidado. Porque uma coisa é um adulto decidir retirar qualquer coisa da dieta, coisa diferente é um miúdo de cinco, seis, sete anos”, frisou.
Relativamente ao aumento crescente do número de vegetarianos e veganos, revelou desconhecer estudos que demonstrem um “impacto espetacular na vida das pessoas por seguirem um regime extremamente vegetariano do tipo vegan”. Pelo contrário, “é uma alimentação incompleta e os estudos reconhecem benefícios de uma dieta equilibrada”.
“Não é um estudo que mostre um resultado anómalo que faz a ciência: a evidencia científica cria-se ao fim de vários estudos”, salientou. Até haver fundamento, “não se deve defender como certas coisas que não estão sustentadas. Não havendo estudos definitivos, há que seguir o que o bom senso recomenda”.
No que toca ao novo tabaco aquecido, admitiu que ainda não houve tempo suficiente para perceber o perfil de risco: “sabemos que podem atingir o pulmão, a nicotina pode ter alguns efeitos cardíacos – mas na alternância entre um e outro, os cigarros eletrónicos têm de ser uma medida de saúde pública para ajudar os doentes a deixar de fumar”.
“Deviam ser vendidos livremente, sem restrições de fumar aqui e ali. Acho um erro não dar um acesso mais liberal a uma dependência que é muito mais benigna do que a outra”, disse o professor, que está à frente do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Questionado se essa medida não seria um retrocesso, depois de se ter posto fim ao fumo em espaços fechados, respondeu que sim, mas que “em todos os aspetos os cigarros eletrónicos estão a ser considerados iguais aos outros quando o risco não é igual”.
Na sua opinião, a indústria tabaqueira, mais cedo ou mais tarde, vai deixar de fabricar os cigarros convencionais. “O cigarro tradicional tem a planta e o papel, que é onde estão os cancerígenos todos”.
TP, ZAP //