Uma equipa de investigadores desenvolveu um método para reciclar urina, transformando-a em fertilizante seco que pode ser usado numa agricultura mais sustentável.
É provável que a maioria dos alimentos que você vai comer hoje não foi cultivada de forma sustentável.
O sistema global de produção de alimentos é a maior influência humana nos ciclos naturais de azoto e fósforo do planeta. A quantidade de colheitas que podem ser cultivadas é limitada pela quantidade desses dois elementos no solo, daí serem aplicados como fertilizantes.
Mas a maioria dos fertilizantes é feita pela conversão do azoto do ar em amoníaco, que por si só consome 2% da energia mundial e depende muito de combustíveis fósseis, ou pela mineração de recursos finitos, como rocha fosfática.
No entanto, uma solução para este problema pode estar muito mais próxima do que as pessoas imaginam. A maioria dos nutrientes que consumimos nos alimentos é eliminada na urina, porque o nosso corpo já tem o suficiente. Mas, em vez de serem recapturados, esses nutrientes são lavados, diluídos e enviados para estações de tratamento de águas residuais, onde são eliminados, deixando efluentes que podem ser lançados com segurança no meio ambiente.
A parte mais rica em nutrientes das águas residuais é a urina humana, que representa menos de 1% do volume total, mas contém 80% do azoto e 50% do fósforo. Uma equipa de cientistas descobriu como reciclar essa urina num valioso – e sustentável – fertilizante de terrenos agrícolas.
Como é que se recicla urina?
Você pode recolher a urina com sanitas especiais que a separam das fezes após a descarga. Mas como a urina é principalmente água, os agricultores teriam que espalhar 15.000 kg dela apenas para fertilizar um hectare de terra. Se houvesse uma forma de retirar a água e extrair apenas os nutrientes, o agricultor só precisaria de aplicar 400kg para o mesmo efeito.
Evaporar a água da urina é surpreendentemente difícil, pois a urina é uma solução química complexa. Quase todo o azoto valioso na urina está na forma de ureia, um produto químico que é usado como o fertilizante de azoto mais comummente aplicado em todo o mundo.
Mas uma enzima de ação rápida chamada urease está invariavelmente presente nos canos de águas residuais e converte a ureia em amoníaco. Quando exposto ao ar, o amoníaco evapora rapidamente, levando o azoto da urina com ela e exalando um odor muito forte.
Felizmente, os investigadores descobriram que aumentar o pH da urina para torná-la alcalina garante que a ureia não se decomponha ou termine com um cheiro muito pungente. Através desta técnica, os cientistas desenvolveram um processo que pode reduzir o volume de urina e transformá-la num fertilizante sólido. Chamaram a este inovador processo de desidratação alcalina da urina.
A ideia por trás disto é bastante simples. A urina fresca é recolhida de urinóis ou sanitas especialmente projetadas e canalizada para um secador, onde um agente alcalinizante, como o hidróxido de cálcio ou magnésio, aumenta o seu pH. Qualquer água na urina agora alcalina é evaporada e apenas os nutrientes são deixados para trás. Pode-se até condensar a água evaporada e reutilizá-la para descargas em sanitas ou para lavar as mãos.
Uma economia circular
Fazer isto é muito fácil: basta encher um secador de urina com um agente alcalinizante, ligá-lo à sanita, fazer xixi normalmente e a urina é convertida em fertilizante seco. Um design inteligente pode até mesmo fazer com que o secador caiba abaixo da sanita para que não ocupe muito espaço na casa de banho. Embora a eletricidade fosse necessária para evaporar a água, o secador poderia ser acoplado à energia solar.
Os investigadores estimam que custaria apenas cerca de 5 euros para fornecer a uma família média de quatro pessoas o abastecimento de um ano de agente alcalinizante. O resultado do secador é um fertilizante sólido contendo 10% de azoto, 1% de fósforo e 4% de potássio – uma combinação semelhante aos fertilizantes minerais misturados.
Se implementada em todo o mundo, a urina reciclada pode substituir quase um quarto de todo o fertilizante de azoto sintético usado na agricultura.
Mas isso exigiria uma rede de serviços capaz de abastecer as residências com agente alcalinizante, recolher a urina seca e processá-la em fertilizante para uso dos agricultores. Já existe uma rede de serviços semelhante para a reciclagem de plásticos, metais, papel e vidro – a urina seca poderia ser simplesmente outro componente.
Estudos sugerem que as pessoas estão abertas à ideia de reciclar urina. Uma sondagem com quase 3.800 pessoas de 16 países revelou que as pessoas comprariam e comeriam alimentos cultivados com urina humana. Com uma tecnologia como esta, as pessoas comuns teriam uma maneira segura e conveniente de tornar a vida moderna mais sustentável cada vez que vão à casa de banho.