A versão preliminar do relatório da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos já foi entregue aos deputados. Os gestores do banco e os supervisores são alvos de críticas.
Numa longa lista de conclusões da comissão parlamentar de inquérito, começa-se por realça a concessão de créditos ruinosos por parte da Caixa Geral de Depósitos que não se poderiam desfazer “sem causar tumulto no mercado e eventual desvalorização da própria garantia”.
Apesar dos avisos acertados da Direção de Gestão de Risco, “uma parte significativa dos riscos veio a materializar-se”, com os financiamentos à aquisição de ações a serem concedidos com “elevados níveis de alavancagem“. Além disso, apesar de terem sido detetadas irregularidades que foram devidamente reportadas ao Ministério das Finanças, não foram conduzidas diligências para as colmatar.
“A CGD colocou-se várias vezes numa situação em que ficou refém de si própria, credora e acionista dos mutuários, o que condicionava os seus direitos nos casos de insolvência”, lê-se também na versão preliminar do relatório.
As críticas estenderam-se também até ao Banco de Portugal, que “não avaliou o comportamento dos administradores, a concretização da segregação de poderes, nem a falta de discussão dentro dos conselhos, em que as propostas de cada um não eram escrutinadas pelos outros”.
A comissão parlamentar de inquérito realçou ainda uma dualidade de critérios do BdP no tratamento de dois casos semelhantes. Por exemplo, enquanto no Vale do Lobo, o Banco de Portugal escreveu cartas a exigir detalhes da operação, no BCP “não exerceu o mesmo zelo”.
O Banco de Portugal foi ainda acusado de não acompanhar os problemas detetados na Caixa, “assumindo que as suas orientações eram executadas”, apesar de muitas das vezes não ser esse o caso.
“A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do BdP, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes”, lê-se no relatório, que faz um crítica aberta aos supervisores.
Créditos a Berardo
“Na concessão do financiamento de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, o Banco de Portugal deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços”, concluiu a comissão. Caso uma análise completa tivesse sido executada, poderia ter inibido os direitos de voto e exigido contrapartidas adicionais na concessão dos créditos.
Ficou também esclarecido que foi o próprio Joe Berardo que entrou em contacto com a CGD para garantir o financiamento — e não o contrário.
Foram ainda criticados outros investimentos, como por exemplo no projeto ARTLANT, no qual foi revelada uma vontade política de realizar o investimento. No financiamento à LSB já eram conhecidas as irregularidades praticadas pelo seu CEO quando o investimento foi feito. A Caixa Geral de Depósito também entrou com 97% dos fundos para a constituição da WOLFPART, mas ficou com apenas 25% dos capital.
As maiores perdas na CGD tiveram origem durante o mandato da administração liderada por Santos Ferreira. Já os créditos mais problemáticas ficaram a cargo do vice-presidente Maldonado Gonelha e dos administradores Armando Vara e Francisco Bandeira.
“Foi evidente, nesta comissão, que a CGD não foi gerida de forma sã e prudente, na concessão de vários dos créditos analisados”, resume o relatório, ao qual o Observador teve acesso.
Recomendações
O relatório preliminar realça que “é necessário definir bem a missão da Caixa e a sua compatibilização com os princípios de regulamentação e concorrência da União Europeia”, defendendo a sua importância numa economia aberta e num país com as nossas características.
O Estado tem de desempenhar também um papel mais ativo de acionista, não bastando apenas nomear a administração e aferir os resultados quantitativos. A comissão parlamentar de inquérito critica o “absentismo” dos Governo “perante o conhecimento de problemas” na Caixa.
O Banco de Portugal também deverá assumir uma atuação mais transparente na supervisão da crise financeira portuguesa. Adicionalmente, deve atentar à cultura, ao comportamento e às dinâmicas internas, que segundo estudos do FMI, são “fatos essenciais para a a responsabilização ética, a reputação dos bancos e a confiança no sistema financeiro”.
Por fim, entende-se que a reforma da supervisão deve ser definida como prioritária, sendo também de extrema importância a CGD apurar as responsabilidades dos processos ruinosos e se remediar das perdas.
Fonte: ZAP