Homem De Gouveia / Lusa
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou esta quarta-feira o diploma do Governo que prevê a recuperação parcial do tempo de serviço dos professores.
O Presidente da República devolve ao Governo o diploma que propunha a devolução de apenas dois anos, oito meses e dezoito dias aos professores. Numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa informa que dirigiu uma carta ao primeiro-ministro António Costa com a seguinte informação:
“A Lei do Orçamento do Estado para 2019, que entra em vigor no dia 1 de janeiro, prevê, no seu artigo 17.º, que a matéria constante do presente diploma seja objeto de processo negocial sindical. Assim sendo, e porque anteriores passos negociais foram dados antes da aludida entrada em vigor, remeto, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 4 da Constituição, o diploma do Governo que mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente, para que seja dado efetivo cumprimento ao disposto no citado artigo 17.º, a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2019.”
No Orçamento do Estado para 2019, PSD, CDS-PP, BE, PCP e Os Verdes entenderam-se para aprovar – com o voto contra do PS – um artigo que força o Governo a retomar as negociações, mas não para incluir no documento as propostas de BE e PCP que estipulavam uma calendarização para a recuperação integral do tempo de serviço.
O Governo aprovou em 20 de dezembro, em Conselho de Ministros, o decreto-lei que prevê a recuperação de dois anos, nove meses e 18 dias de tempo congelado aos professores, em vez dos mais de nove anos exigidos por esta classe profissional.
A aprovação do decreto-lei aconteceu dois dias após a última reunião negocial entre as dez estruturas sindicais de professores e representantes dos ministérios da Educação e das Finanças, que terminou sem acordo.
O artigo 17.º do Orçamento do Estado refere-se ao tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais.
“A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é objeto de negociação sindical, com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”, lê-se no texto aprovado pela Assembleia da República e já promulgado pelo chefe de Estado.
De acordo com a Constituição da República, o Presidente da República tem 40 dias, a partir da receção de qualquer decreto do Governo, para “promulgá-lo ou exercer o direito de veto, comunicando por escrito ao Governo o sentido do veto”.
Depois deste veto, o Executivo é obrigado a voltar à mesa de negociações com os sindicatos. Esta decisão do Presidente faz com que, em 2019, os professores já não contem com qualquer recuperação do tempo congelado, pelo menos para já – nem mesmo com os dois anos, nove meses e 18 dias previstos neste diploma.
Bloco: “Vem confirmar o apelo que tem existido”
O BE defendeu que o veto do Presidente da República “confirma o apelo” para que o Governo se sente à mesa com os sindicatos. Em declarações à Lusa, Joana Mortágua, disse que “se foi possível negociar nos Açores e na Madeira, não há razão para que não seja possível negociar também no Continente”, e acusou o Governo de “ausência de vontade negocial e até de arrogância” neste processo.
Questionada se este veto não deixa os professores, neste momento, sem qualquer reposição, a deputada do BE considerou que não tem de ser assim. “Essa decisão é exclusiva do Governo: se o Governo se sentar à mesa com base numa primeira reposição imediata, continua a ter margem para negociar depois o faseamento do restante tempo”.
PSD: “Partido Socialista ficou isolado”
Rui Rio afirmou estar “totalmente de acordo” com o que o Presidente determinou.
“Acho que determinou o mais lógico e se, por exemplo, na Madeira, onde o Governo regional é do PSD, ou nos Açores, onde o Governo regional é do PS, conseguiram fazer uma negociação a contento entre os professores e o Governo, aqui em Portugal [continental], o Governo da República também tem obrigação de o conseguir, contando o tempo todo, mas sempre respeitando a sustentabilidade das finanças publicas”, afirmou.
O líder do maior partido da oposição reconheceu, contudo, que a recuperação do tempo de serviço não pode ser feita de uma vez, mas criticou o Governo, a quem pediu abertura negocial.
Rui Rio admitiu que se fosse primeiro-ministro “não podia dar tudo”, sublinhando, contudo, que é possível negociar no tempo a forma como se reconhece os nove anos, fazendo-o “em quatro ou cinco anos” ou com a antecipação da contagem do tempo para a reforma.
CDS: Presidente da República pôs Governo “na ordem”
Em declarações à Lusa, a deputada centrista Ana Rita Bessa afirmou que o partido acolhe “bem esta decisão” do Presidente, “uma vez que vem ao encontro da proposta do CDS no Orçamento do Estado, de vincular o Governo a uma nova ronda negocial, séria, comprometida e balizada pela sustentabilidade financeira”, afirmou.
Para Ana Rita Bessa, Marcelo Rebelo de Sousa “pôs o Governo na ordem”, obrigando-o a “não decidir de forma unilateral, sem voltar às negociações”.
PS: Veto “só toca em questão formal”
O deputado e dirigente socialista Porfírio Silva salientou que o Governo concretizou “a tempo e horas” o descongelamento das carreiras previsto no seu programa e que a questão da recuperação do tempo de serviços dos professores não estava “nem no programa de Governo, nem nos acordos à esquerda”.
“Sempre foi a via negocial entre Governo e sindicatos que nós defendemos para encontrar uma saída para a questão da recuperação do tempo de serviço. Aquilo que o senhor Presidente da República vem dizer, agora quando devolve o diploma ao Governo, no fundo só toca numa questão formal e que é: têm de negociar depois da entrada em vigor do Orçamento do Estado”, considerou.
Porfírio Silva antecipou que o Governo “não terá qualquer dificuldade” em voltar à mesa das negociações, salientando que o executivo já negociou durante meses com os sindicatos dos professores. Por outro lado, acrescentou, a consequência deste veto será que a reposição parcial do tempo de serviço não se concretizará de imediato.
Fenprof: “Decisão correta”
“É absolutamente adequado e é a decisão correta porque aquilo que este decreto-lei traduzia era uma ilegalidade” e “uma violação da lei do Orçamento do Estado para 2018, que mandava apenas negociar o prazo e o modo de recuperar todo o tempo de serviço e não como o Governo fez que foi apagar seis anos e meio de tempo de serviço”, afirmou Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof).
O dirigente da Fenprof adiantou que “o Governo estava já isolado, uma vez que a Assembleia da República já tinha afirmado há dias que o Orçamento do Estado para 2018 não tinha sido cumprido nessa matéria e inclusivamente repetiu a norma no orçamento para 2019, obrigando o Governo a negociar todo o tempo”.
Depois disso, acrescentou, as assembleias legislativas regionais da Madeira e dos Açores, a quem o Governo pediu pareceres, deram parecer negativo a esta eliminação de tempo de serviço.
“Portanto, neste momento, eu acho que não havia nada que pudesse justificar a promulgação deste decreto”, disse Mário Nogueira, sublinhando que a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa reforça a convicção dos professores.
“No dia 3 de janeiro, os docentes vão estar à porta do Ministério da Educação para dizer ao Governo: Estamos aqui para iniciar essa negociação”, afirmou Mário Nogueira.
Fonte: ZAP