Esta quarta-feira, a comissão de reforço da transparência deu um passo atrás no que diz respeito ao registo de ofertas por titulares de cargos políticos ou públicos.
Foram várias as tardes que os deputados da Comissão da Transparência perderam a atirar argumentos sobre qual o limite aceitável para um político ou alto dirigente público receber uma prenda ou uma viagem de uma entidade privada. Aliás, esta comissão aprovou, num texto inicial, o registo público na Internet para todas as ofertas e a entrega de prendas de valor superior a 150 euros.
No entanto, esta quarta-feira, o passo dado foi à retaguarda – e os responsáveis foram os deputados do PSD e do PS, uma vez que foram estes que mudaram o sentido de voto entre o tal texto inicial e as votações feitas recentemente.
Desta forma, não há, afinal, qualquer necessidade de registo das ofertas recebidas no desempenho das funções por políticos e altos dirigentes do Estado. No fundo, estes só precisam de as apresentar ao organismo a que pertencem. Posteriormente, será este organismo a decidir o que fazem com o bem em causa, esclarece o Público.
Na prática, as ofertas superiores a 150 euros têm de ser comunicadas ao organismo a que os titulares pertencem, mas este pode deixá-los ficar com elas. A prenda pode parar na casa de quem a recebeu.
O PSD tinha votado contra esta proposta, mas acabou por ajudar com uma abstenção. Desta forma, esta votação recente contou com o voto favorável do PS e do PCP e abstenção do PSD.
No ano passado, em sucessivas reuniões da comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas, foram vários e acalorados os debates sobre que ofertas e hospitalidades deveriam ser registadas pelas entidades e qual o valor.
Em 23 de outubro de 2018, os partidos deram sinais de entendimento sobre o valor das ofertas que os titulares de cargos públicos ou políticos poderiam receber, embora faltasse definir se esse limite poderia ser de 150 euros.
Na reunião, as bancadas aceitaram o princípio de existir um valor a partir do qual o titular do cargo, ministro, deputado e autarca, pode ficar com a tal “oferta institucional”, ou se fica na propriedade da entidade a que pertence, e admitiram tentar uma solução de consenso.
O deputado socialista Jorge Lacão disse que não aceitava que o valor, seja de 150 euros ou outro, seja usado “numa espécie de strip tease de um político ou titular de cargo público, que “regista uma bagatela” para “caricatura” e “diversão da comunicação social”.
O valor de 150 euros é uma referência já usada pelo Governo no seu Código de Conduta, adotado após a polémica da oferta de viagens ao europeu de futebol de 2016 de três secretários de Estado.
Viagens e alojamento
Neste ponto, PSD, PS e PCP voltaram a unir forças para fazer aprovar uma regra que estipula que “não está sujeita a dever de registo a aceitação de ofertas, de transporte ou alojamento que ocorra no contexto das relações pessoais ou familiares” e outras que permitem aceitar quaisquer convites compatíveis com a “relevância de representação própria do cargo” ou “cuja aceitação corresponde a ato de cortesia ou urbanidade institucional”.
Este foi o mote que levou Paulo Trigo Pereira a disparar, afirmando que a nova lei não passa de um “desastre total e absoluto” que permite “total opacidade para os convites privados” e “descredibiliza” o processo legislativo.
Trigo Pereira foi mais longe, e referiu que casos como as viagens pagas pela Galp ao Euro 2016 que levaram às demissões no Governo e a processos judiciais a deputados passam agora a ser legais.
Pedro Delgado Alves, do PS, afirmou, porém, que quem aceita estes convites fica impedido de intervir em questões que envolvam essa entidade e isso assegura a transparência. Por sua vez, Pedro Filipe Soares (BE) e Vânia Dias da Silva (CDS) lamentaram não haver registo de todas as ofertas ou pelo menos de um valor mínimo de 150 euros; António Filipe (PCP) recusou o “registo de bagatelas” e a submissão a códigos de conduta e Álvaro Batista (PSD) vincou o “valor equilibrado” do que fica aprovado.
Entidade para a Transparência
Os deputados acabaram também por aprovar, no novo “regime do exercício de funções pelos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”, a criação da Entidade para a Transparência, que ficará encarregue da análise e fiscalização das declarações de rendimentos, património e interesses destes titulares.
De acordo com o diário, foi ainda aprovada a obrigação de entrega de uma declaração três anos após a saída do cargo para, desta forma, controlar se houve um acréscimo desmesurado do património, e também sanções mais fortes para quem não entregar a declaração – seja com ou sem intenção.
O Público dá um exemplo: se não declarar rendimentos a que estava obrigado de valor superior a 50 salários mínimos, pode ser punido com pena de prisão até três anos e esse património será tributado à taxa de 80% no IRS. Além disso, se for um antigo titular e não entregar a declaração pode ficar inibido de voltar a um cargo destes por um período de um a cinco anos.
LM, ZAP //
Fonte: ZAP