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As escolhas que estão a ser feitas no que toca à redução dos programas do ensino secundário constituem uma ameaça à formação dos alunos, alertam os especialistas.
A partir do próximo ano letivo, as chamadas aprendizagens essenciais vão ser o referencial da aprendizagem e avaliação nos alunos. A proposta para o ensino secundário está em consulta pública, até sexta-feira, no site da Direção-Geral de Educação.
Para o Ministério da Educação, a questão das aprendizagens essenciais é crucial para resolver o problema da “extensão” dos atuais programas e permitir que seja fixado um conjunto essencial de conteúdos que todos os alunos devem saber, em cada disciplina, no final de cada ano.
Ao Público, Bernardo Vasconcelos e Sousa, professor da Universidade Nova de Lisboa, afirmou que estas propostas existentes, nomeadamente para o secundário no que diz respeito à abordagem que nas aprendizagens essenciais se faz da Idade Média, são “absolutamente chocantes“.
“O que poderia ser uma saudável redução de temas e matérias torna-se uma operação redutora da compreensão do processo histórico”, aponta o professor. Por exemplo, na História A do 10.º, 11.º e 12.º anos, omite-se tudo o que respeita ao mundo urbano na Idade Média e “aspetos tão relevantes como os relativos à cultura, arte ou religião”.
Estas aprendizagens essenciais foram elaboradas pela Associação de Professores de História (APH) e por especialistas designados pelo Ministério da Educação. Marta Torres, vice-presidente da APH, discorda. “Não se cortam ou suprimem conteúdos. Evidenciam-se as aprendizagens que se consideram essenciais.”
No entanto, a verdade é que o mundo urbano a Idade Média desaparece, ficando “muita coisa por explicar acerca da especificidade e da importância da época medieval no Ocidente europeu”, sustentou Bernardo Vasconcelos e Sousa.
No caso de as aprendizagens essenciais se tornarem uma espécie de documento único para o ensino, a história final ficará mesmo comprometida, concorda Ana Ribeiro, professora e coordenadora do mestrado em ensino de História do 3.º ciclo e secundário da Universidade de Coimbra.
“O professor pode e deve entender estes documentos como linhas orientadoras, podendo ir muito mais além, sob pena de a formação final se tornar uma manta de retalhos mais ou menos desconexa”, alerta a professora.
Temáticas relacionadas com a cultura e as artes são as áreas mais prejudicadas com estas aprendizagens essenciais, a par da “ténue presença das revoluções americana e francesa no contexto dos conteúdos do 11.º ano”.
Esta docente considera que nas aprendizagens essenciais existe uma “desvalorização clara das temáticas relacionadas com a cultura e artes ou, mais grave, a ténue presença das revoluções americana e francesa no contexto dos conteúdos do 11.º ano”.
Mas nem tudo é História e há também mudanças na disciplina de Português, obrigatória para todos os alunos do secundário. Estas alterações passam pela supressão das obras de Eça de Queirós que são referenciadas no programa (Os Maias ou Ilustre Casa de Ramires), deixando aos professores liberdade total para escolherem um romance deste autor.
“Muitos alunos podem simplesmente perder a única oportunidade das suas vidas de contactarem com o melhor romance da literatura portuguesa, Os Maias“, considera o professor da Universidade de Coimbra, Carlos Reis, apontando que esta medida será o resultado “ruinoso” de uma operação em que o aluno “negociará com o professor” o seu perfil de leitor.
Isabel Pires de Lima, professora da Universidade do Porto, defende ainda que Os Maias “é a obra-prima, a obra canónica por excelência do romance oitocentista português” e, como tal, “não deve ser evitada com argumentos que advêm da sistemática menorização dos estudantes e dos professores e do sistemático acomodamento a uma prática de ensino-aprendizagem que não insista no esforço, na dedicação e no trabalho necessários”.
O argumento de que “os alunos não leem” não entra na equação de Carlos Reis, que não aceita que “seja o Estado a fomentar a desistência (porque é disso que se trata, não sejamos hipócritas), sob a capa politicamente conveniente da concessão e autonomia às escolas, para que se façam, com tranquilidade, os tais ‘negócios’”.
Fonte: ZAP