Garantiu que não tem dívidas “pessoalmente”, nem tão pouco bens em seu nome, que a Caixa Geral de Depósitos só perdeu dinheiro com os seus empréstimos porque quis e que até tentou “ajudar os bancos”. As declarações de Joe Berardo no Parlamento, nesta sexta-feira, levaram os deputados a viajar entre o riso e o desespero.
Ouvido durante cerca de cinco horas na segunda comissão parlamentar de inquérito à gestão e recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), o empresário Joe Berardo referiu que tentou “ajudar os bancos” com a prestação de garantias, que foram eles que sugeriram o investimento no BCP e que está actualmente em negociações com as instituições.
“Estou em negociações com os bancos há algum tempo e vamos ver se chegamos a uma solução a breve tempo“, apontou Berardo sobre o incumprimento dos créditos que lhe foram concedidos.
O empresário afirmou também que, “como português”, tentou “ajudar a situação dos bancos numa altura de crise“, referindo-se à prestação de garantias quando as acções que serviam como colateral desvalorizaram, gerando grandes perdas para as entidades financeiras.
Berardo declarou ainda que “foi a Caixa” que sugeriu os créditos de 350 milhões de euros para aquisição de acções no BCP, através de José Pedro Cabral dos Santos, e acusou o banco público de não cumprir os contratos com a Fundação Berardo e a Metalgest, a empresa da sua esfera.
“Quando há um contrato, seja de empréstimo seja de outra coisa qualquer, está assinado”, disse, acrescentando que tinha exigido nos contratos um rácio “de cobertura de 105%”, e que “se descesse” a Caixa tinha de vender as acções, o que não aconteceu.
“Se as acções tivessem sido vendidas àquele valor eu tinha fundos próprios para aguentar”, acrescentou, frisando que “cada um vive com as suas responsabilidades”. “Deve falar é com as pessoas que autorizaram essas coisas. Acha que eu sou dono do banco?”, chegou a perguntar aos deputados.
E quando alguém o recordou de que todos os portugueses carregam o peso dos milhares de milhões de euros que o Estado colocou na Caixa, num processo que está a custar uma “pipa de massa” aos contribuintes, Berardo apontou singelamente “a mim não”.
O empresário também afirmou que quando estava a negociar com a CGD tinha as suas condições e que essas eram ‘take it or leave it’ (pegar ou largar, na tradução de inglês para português), e que foi por isso que a negociação “demorou tanto tempo”. Posteriormente, Joe Berardo esclareceu que em 2006 não foi pedido nenhum aval, mas que em 2007 “foi pedido, mas não foi dado”.
Na sua declaração inicial, lida pelo seu advogado, André Luiz Gomes, Berardo admitiu que foram os bancos que o abordaram para adquirir acções no BCP, “em condições concorrenciais”. “Eram até ao final de 2005 o BCP e o BES, e a partir de Janeiro de 2006 o banco Santander Totta começou a financiar nas mesmas exactas condições”, disse.
Joe Berardo afirmou que “nunca” participou num “assalto figurado” ao BCP. “Como é público e notório, as instituições que represento reforçaram a sua posição no poder então vigente, presidido por Paulo Teixeira Pinto”, leu ainda André Luiz Gomes na declaração.
“O BCP foi o maior desastre da minha vida“, considerou o empresário, falando na compra de acções do banco como “uma desgraça”. “Poderia ter comprado mais quadros se não tivesse entrado neste negócio da Caixa”, referiu.
Segundo a auditoria da EY à gestão da CGD entre 2000 e 2015, o banco público tinha neste ano uma exposição a Joe Berardo e à Metalgest na ordem dos 321 milhões de euros.
“Pessoalmente não tenho dívidas”
Joe Berardo disse aos deputados que é “claro” que não tem dívidas. “Pessoalmente não tenho dívidas. Claro que não tenho dívidas“, disse em resposta à deputada do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, que tinha perguntado por que é que Berardo “não paga o empréstimo à banca ou dá a garantia que aparentemente foi dada aos bancos quando fez um acordo de renegociação em 2008 e reiterou em 2011”, se dá mostras públicas de riqueza e de ser “multimilionário”.
A deputada do BE disse que viu o empresário “em 2017, na revista Flash a louvar os grandes lucros da Bacalhôa [quinta que pertence à Fundação Berardo], e em Janeiro de 2019, sem problemas em mostrar a sua imagem pública, a mostrar a sua mansão no programa do [apresentador Manuel Luís] Goucha”.
Mas, para todos os efeitos, Berardo não tem “nada” de seu, conforme deixou transparecer na audição, embora tenha classificado como “informação parcial e deturpada” a notícia de que só tem em seu nome uma garagem no Funchal.
“Quando eu nasci, nasci nu, quando eu for nem vida levo“, frisou poeticamente.
Aos deputados, Berardo vincou que não é proprietário da Quinta da Bacalhôa, nem da Empresa Madeirense de Tabaco, nem de imóveis no Funchal, realçando que as acções de algumas das suas empresas foram dadas como penhora a bancos como o BCP e o BES.
Quanto à colecção de arte moderna que tem o seu nome é legítima propriedade da Associação Colecção Berardo. Claro que é Berardo quem manda na associação, como assumiu, revelando ainda que a garantia dada à CGD são os títulos da Associação e não das obras de arte em si.
“Inicialmente eles queriam isso, mas isso está fora de questão. Nunca eu ia dar aquilo como garantia, aquilo faz parte da minha vida”, afirmou Joe Berardo.
A postura do comendador levou Mariana Mortágua a apontar que Berardo deve achar que deu “um golpe de génio”. “Fez negócios, controlou um banco privado, vive numa ‘penthouse‘, celebra as vindimas na Quinta da Bacalhôa, tudo a partir de uma fundação que não lhe pertence, que não paga impostos, que detém um império que não pode ser ligado a si e que, portanto, pode ter créditos a apodrecer”, afirmou a deputada bloquista.
Mais tarde, a deputada do CDS-PP Cecília Meireles perguntou a Berardo o que aconteceria se os bancos tentassem executar os títulos da Associação. “Eles têm direito, que o façam”, sugeriu o empresário. “E se o fizerem deixa de ser o senhor a mandar na associação?”, perguntou a deputada centrista. Berardo respondeu com uma sonora gargalhada.
Fonte: ZAP