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Foram divulgadas, pela primeira vez, imagens dos interrogatórios efectuados a José Sócrates, em 2015 e em 2017, no seguimento da sua detenção por corrupção. E é possível confirmar a ira do ex-primeiro-ministro, confrontado com os indícios que existem contra ele, assumindo sempre uma postura de ataque aos investigadores e à investigação.
A SIC começou, nesta segunda-feira à noite, a exibir a reportagem “O Confronto” que se centra nos interrogatórios feitos a José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês. Várias das declarações prestadas pelo antigo governante, nestas inquirições, já tinham sido divulgadas, mas é a primeira vez que são publicados os vídeos dos interrogatórios.
As imagens permitem confirmar a postura desafiante e indignada de Sócrates que, por diversas vezes, põe em causa os investigadores, bem como as provas que têm contra ele.
“Isso é mentira! O senhor está a inventar!”, atira Sócrates, dirigindo-se ao procurador do Ministério Público, Rosário Teixeira, que lidera a investigação, num dos momentos mais quentes dos interrogatórios, na última inquirição, realizada a 13 de Março de 2017.
Em causa estavam as argumentações do MP quanto às alegadas luvas pagas pelo Grupo Lena a Sócrates, em troca de supostos favorecimentos em decisões políticas.
“Não diga asneiras, está bem!”, atirou furioso, noutro momento, ao inspector tributário Paulo Silva, também presente no interrogatório, depois de confrontado com obras de construção civil conseguidas pelo Grupo Lena na Venezuela.
“Então, o senhor acusa primeiro e depois pergunta? Que regime é este?!“, vociferou também Sócrates, no decurso das mesmas argumentações do MP.
Outro momento tenso ocorreu quando o ex-primeiro-ministro foi confrontado com as suspeitas em torno dos cerca de 29 milhões de euros que Ricardo Salgado, o ex-presidente do BES que também é arguido na Operação Marquês, terá pago a Sócrates em troca de favorecimentos políticos no âmbito da Portugal Telecom, com o intuito de beneficiar o Grupo Espírito Santo que era accionista da telefónica.
“Como é que vocês se atrevem a dizer que eu fui corrompido pelo Dr. Ricardo Salgado sem terem a mínima evidência, a mínima prova, um facto que vos leve a isso?”, questionou Sócrates, frisando que “nunca” se relacionou “com banqueiros” e que “essa acusação não resiste à mínima capacidade para análise”.
Quando foi confrontado com a sua suposta intervenção na derrota da Sonae, durante a OPA à PT, Sócrates voltou a enfurecer-se. “É impróprio de um procurador da República de um regime democrático fazer imputações sem as fundamentar“, acusou, salientando que as “imputações são gravíssimas” e que constituem “um ataque político a um Governo”.
Os alegados favorecimentos de Sócrates aos accionistas do empreendimento turístico de Vale do Lobo também foram abordados no interrogatório, com o ex-governante a refutar veementemente todas as alegações do MP. “Com que base é que afirma aqui que fui o mastermind do empréstimo da CGD ao Vale do Lobo!? Eu nunca discuti o Vale do Lobo com ninguém!”, atirou Sócrates.
Os excessos de Sócrates levaram os investigadores a lançar-lhe o aviso de que estava a exceder-se. E os seus próprios advogados, João Araújo e Pedro Delille, tentaram acalmá-lo. Mas Sócrates não deixou a sua estratégia ofensiva e ainda acusou o procurador Rosário Teixeira de “manha”.
Os factos alusivos à adjudicação de várias obras da Parque Escolar ao Grupo Lena, que ganhou em concursos públicos projectos da ordem dos 136 milhões de euros entre 2009 e 2011, levaram Sócrates a acusar Rosário Teixeira de “lançar lama para cima das pessoas”.
“Ao longo do meu tempo como primeiro-ministro – e veja bem o que lhe estou a dizer, ‘veja bem’ no sentido de mark my words: nunca falei com nenhum ministro sobre nenhum concurso. Nunca!”, assegurou Sócrates.
O ex-primeiro-ministro só deixou de jogar ao ataque quando foi confrontado com o facto de o Grupo Elos, de que o Grupo Lena fazia parte, ter ganho 149 milhões de euros, após o falhanço do projecto de construção do TGV.
Rosário Teixeira revelou a Sócrates que o presidente do júri do concurso que atribuiu a concessão do TGV ao Grupo Elos, Raul Vilaça Moura, confessou ter estado no seu gabinete, quando ele era primeiro-ministro, acompanhado por Mário Lino, então ministro das Obras Públicas, para abordarem os riscos da recusa do projecto por parte do Tribunal de Contas. O Ministério Público suspeita que Sócrates interveio para beneficiar o Grupo Elos.
“Agora que o acabei de ouvir, a minha ideia é que isso tinha que ver com a terceira ponte. Mas talvez ele tenha uma memória mais fresca do que eu. Ele ocupava-se só disso, eu ocupava-me de muitas coisas”, referiu Sócrates, após algumas hesitações. “Tem de chamar o engenheiro Mário Lino. Eu nunca intervi em nenhum concurso”, acrescentou.
Sócrates também assumiu que o amigo Carlos Santos Silva, que para o MP é o seu testa-de-ferro, lhe pagou as férias. “Eu paguei todos os jantares. Mas será que isso valerá alguma coisa para a sua cabecinha?”, atirou ainda o ex-governante.
Entretanto, o juiz Carlos Alexandre determinou que os arguidos da Operação Marquês podem requerer a abertura de instrução do processo, no máximo, até 3 de Setembro. Esta fase será crucial para definir quem vai mesmo a julgamento, e quem não vai.
José Sócrates é o arguido mais mediático deste processo, enfrentando acusações por 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada.
SV, ZAP //
Fonte: ZAP