Houve retoques, poucas saídas e muitos acrescentos. O plano de retoma desenhado pelo conselheiro de António Costa é lançado esta terça-feira.
A apresentação do documento, que sofreu algumas alterações, será feita esta terça-feira por António Costa Silva, o conselheiro escolhido pelo primeiro-ministro para desenhar a estratégia de retoma do país.
Segundo o Expresso, o documento será lançado pelo ministro da Economia Pedro Siza Vieira e debatido, depois, por quatro especialistas: Isabel Furtado (inovação); Júlia Seixas (alterações climáticas); Paulo Pinto (infraestruturas) e Francisca Guedes de Oliveira (economia pública).
No documento de 142 páginas, intitulado “Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030”, António Costa Silva alerta que não vale a pena ter “ilusões”, acrescentando que “a crise sanitária causada pela doença covid-19 traz consigo uma profunda recessão económica que tem características globais e que vai ferir profundamente” a economia.
As previsões para a economia portuguesa e mundial têm vindo a ser revistas e, na ótica de Costa Silva, Portugal “pode vir a enfrentar uma das piores crises da sua história“. “A queda do PIB em 2020 pode chegar aos 12%”, um valor muito superior à recessão prevista pelo Governo no Orçamento Suplementar, que previa uma queda do PIB de 6,9%, mas que o executivo também já admite rever.
António Costa Silva alerta também para que, “a partir de setembro, a situação de muitas empresas pode deteriorar-se significativamente”, considerando ser “fundamental existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis”.
1. Fundo soberano e Banco de Fomento
No plano, António Costa Silva sugere uma série de instrumentos para ajudar na tesouraria das empresas, incluindo um “fundo soberano”, dirigido a companhias de base exportadora. “As empresas portuguesas estão muito descapitalizadas e é essencial criar condições para o reforço dos capitais próprios através de políticas fiscais e financeiras adequadas.”
Propõe a criação “de um fundo, de base pública, de capital e quase capital, aberto a fundos privados, para operações preferencialmente em coinvestimento, dirigido a empresas com orientação exportadora e potencialidades de exploração de escala”.
Costa Silva apela ainda para a “criação de um banco promocional [tipo Banco do Fomento], definindo uma matriz clara da operação em torno dos segmentos de empresas com maior capacidade de arrastamento e não numa lógica de assunção das operações de risco que o sistema financeiro convencional não está disponível para aceitar”.
2. Cultura em rede, descentralizada e aposta no digital
Portugal deve apostar em redes de equipamentos culturais e de criação artística e em “áreas ainda insuficientemente exploradas” ligadas ao digital. A Cultura – um dos setores “mais penalizados pela crise sanitária e económica” – terá de passar pela descentralização da atividade cultural, pela criação de trabalho em rede e tendo como foco “as novas gerações, os talentos emergentes”.
Entre as propostas concretas apresentadas, para abranger “áreas insuficientemente exploradas”, consta a criação de um fundo público para a criatividade digital, “para projetos inovadores que associem arte e tecnologia”, instalação de “incubadoras para a criatividade e arte digital”, com ligação a universidades e centros tecnológicos.
A intenção é que estas redes – Rede Nacional de Cineteatros e Cineclubes, Rede Nacional de Arte Contemporânea e Rede de Residências Artísticas – respondam aos agentes culturais que “não dispõem de espaços para criar”. São defendidos ainda programas de apoio a atividades artesanais, “assentes na tradição” e a reabilitação de património cultural e natural para futuros “programas eco-artísticos”.
3. Reforço do investimento no cluster da Defesa
O reforço do investimento no cluster da economia de Defesa deve ser uma prioridade porque funciona como “alavanca para o desenvolvimento tecnológico do país”.
Costa Silva assinala que este cluster “representa hoje 3% do PIB nacional e aglutina os Centros Tecnológicos da Forças Armadas, com uma rede de empresas nacionais e internacionais, Universidades e Centros de Investigação”, envolvendo ainda “mais de 200 empresas exportadoras” e cobrindo as indústrias aeronáutica, espacial e de defesa.
O consultor considera que “devem ser apoiados” projetos relacionados com a mobilidade aérea urbana, com os microlançadores e os microssatélites, com a inovação no desenho e fabricação de estruturas aeronáuticas, com a vigilância marítima, o comando e controlo, a ciberdefesa, sistemas submarinos.
4. Portugal deve assumir-se como player atlântico
Portugal deve reforçar a cooperação geopolítica e económica para se tornar um player atlântico, e não só europeu.
“O objetivo aqui é transformar Portugal numa potência média do soft power [poder de persuasão], ligando a diplomacia, as missões de solidariedade internacional das Forças Armadas Portuguesas, a tecnologia e a necessidade de combater as ameaças globais, para abrir caminho à criação de plataformas colaborativas que podem resolver problemas e abrir novas vias para a cooperação geopolítica e económica”, lê-se no documento.
O documento evoca as missões de solidariedade em diferentes países africanos em que as Forças Armadas têm participado, as quais “dão credibilidade a Portugal, promovem a solidariedade internacional e abrem portas no mundo”.
5. Avaliação periódica dos reguladores
Os reguladores nacionais devem ser avaliados “periodicamente” e as suas fragilidades identificadas. No documento destaca-se que é preciso dar “atenção à necessidade de aumentar a eficácia dos reguladores, que são essenciais para o mercado funcionar de forma aberta e competitiva, tendo em conta o papel central da regulação, que deve ser simples, desburocratizada e ativa”.
Assim, deve fazer-se um balanço do trabalho das agências reguladoras em Portugal e que se identifiquem meios e mecanismos para melhorar toda a sua ação. O consultor apela para que se identifiquem “fragilidades em termos de recursos humanos” e que se aposte “na sua qualificação dotando-os [reguladores] do conhecimento adequado ao exercício das suas funções”.
6. Portugal deve assumir papel de Fábrica da Europa na Saúde
O plano propõe transformar Portugal numa “fábrica da Europa” na área dos dispositivos médicos, como ventiladores, e consolidar a fileira dos equipamentos de proteção individual, revendo os sistemas de certificação.
O plano lembra que os meios de proteção individual “vão continuar a ser procurados, mesmo depois dos efeitos da pandemia terminarem” e que é importante o país “rever o sistema de certificação deste tipo de equipamentos médicos para que as empresas e os centros tecnológicos que os criaram sejam capazes de os exportar e consolidar uma nova fileira exportadora do país”.
7. Eliminar prazo de reporte de prejuízos fiscais
O Governo deve eliminar o limite de anos que os bancos e as empresas têm para deduzir prejuízos fiscais ao IRC. A forma de resolver o problema seria através de “uma medida que vise a eliminação do prazo de reporte de prejuízos fiscais em sede de IRC, em sintonia com o que acontece noutros países europeus”, medida essa que deve ser “extensível às empresas, em especial as micro, pequenas e médias empresas”.
Com estas medidas, para além de permitir aos bancos a operar em Portugal condições iguais aos que operam noutros países europeus, conseguir-se-ia ainda alcançar outro dos objetivos previstos no plano de recuperação económico: apoiar a tesouraria das empresas viáveis economicamente.
Para este último objetivo deveria ponderar-se a criação de um mecanismo que permitisse a “dedução dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021 aos lucros dos últimos exercícios e usar mecanismos de incentivo e créditos fiscais para fomentar a revitalização das empresas e o seu crescimento”.
8. Criação de Universidade do Atlântico nos Açores
Portugal deve criar uma “grande Universidade do Atlântico” nos Açores, com um polo na Madeira, para o estudo do oceano, clima, terra e atmosfera, em cooperação com o ensino superior e centros de investigação.
A ideia é transformar os Açores numa plataforma tecnológica, criando ainda um polo ligado ao Atlantic International Research, assente numa rede de instituições nacionais e internacionais, o que pode atrair “financiamentos múltiplos”.
9. Expansão dos metros de Lisboa e Porto, nova ponte sobre o Douro
O plano recomenda a expansão das redes do metro de Lisboa e Porto, incluindo a construção de uma nova travessia do Douro a montante da ponte da Arrábida, e uma aposta na mobilidade elétrica.
A rede do Metropolitano de Lisboa deve ser alargada “para zonas densamente povoadas da cidade e da sua periferia imediata”. Ainda em relação a Lisboa, é recomendada a introdução de novas formas de transporte, bem como transportes públicos mais eficientes, atrativos e sustentáveis.
No Porto, o documento aponta o reforço da oferta e a expansão dos sistemas de metro ligeiro na área metropolitana, nas zonas em que a procura justifique, e a construção de uma nova ponte para o metro a “montante da Ponte da Arrábida”.
Nas cidades de média dimensão, como Braga, Guimarães, Aveiro, Coimbra, Leiria, Évora ou Faro, devem ser desenvolvidos os sistemas de transportes coletivos, aumentando “a oferta de transportes públicos de passageiros que conduza à redução da dependência de transporte individual nos acessos aos principais centros urbanos e à descarbonização”. Propõe ainda acelerar a mobilidade elétrica das cidades, incluindo dotar as frotas de transportes públicos com veículos de zero emissões, elétricos ou a hidrogénio.
10. Atrair alunos para os cursos de engenharia
Portugal deve formar mais engenheiros e começar por atrair os alunos do ensino secundário para a profissão. António Costa Silva considera que “é vital Portugal reforçar o seu papel como centro europeu de engenharia” e que o país precisa de “engenheiros, não só de ‘software’ ou eletrotecnia, mas engenheiros mecânicos, civis, químicos, mineiros, físicos tecnológicos, aeroespaciais e outros”.
Nos planos para a ciência, destaca-se ainda a defesa de “um novo ciclo de investimento e desenvolvimento” para “cobrir fragilidades que ainda existem na capacidade do sistema científico” na formação de investigadores e acesso às tecnologias.
11. Pacto entre Estado e empresas
António Costa Silva defende um pacto entre Estado e empresas em que aquele não se limite a pôr dinheiro nas empresas, mas as condicione a uma gestão eficiente, áreas e produtos de maior rentabilidade e manutenção de empregos.
As empresas têm de ser reconhecidas como o “motor real do crescimento e da criação de riqueza”, mas o Estado também deve exigir àquelas que beneficiam de capital público que se empenhem na melhoria da gestão, prefiram capital a dívida, aumentem a competitividade (não por baixos salários, mas pela inovação tecnológica) e internacionalização (desde logo pela cooperação entre si para melhor intervirem no mercado global).
12. Justiça económica e fiscal
Portugal precisa de uma justiça económica e fiscal orientada para o século XXI, com mais utilização dos meios alternativos de resolução dos litígios. “A melhoria da justiça económica e fiscal é decisiva para uma economia mais saudável e mais dinâmica”, já que o sistema “é lento, as respostas aos processos são demoradas, a gestão dos processos de justiça não é a mais adequada” e faltam meios e recursos nos tribunais.
Para uma melhoria da justiça económica e fiscal, é recomendado que seja fomentada a utilização dos meios de resolução alternativa de litígios e que os operadores judiciais sejam estimulados a utilizar os meios alternativos de resolução dos litígios, “tendo em conta que são mais rápidos e menos onerosos”.
13. Aposta na qualificação dos portugueses
Portugal deve continuar a apostar no reforço das qualificações e competências dos portugueses, desde os jovens à formação contínua dos adultos menos qualificados. Entre as propostas apresentadas para a área da qualificação, consta a criação de condições para aumentar o número de jovens que frequentam o ensino superior e a promoção da formação avançada em todas as áreas do conhecimento.
14. Ajuda às PME de comércio que promovam produtos nacionais
O consultor sugere um programa de ajuda financeira direta às PME de comércio a retalho que promovam a oferta de produtos nacionais.
É também proposta a criação do Programa Portugal Repara, de “incentivos à reparação de equipamentos, orientada para facilitar a ligação entre o consumidor e as empresas de serviços de reparação, essencialmente as micro e pequenas e médias empresas, aproveitando sinergias existentes com pontos de atendimento disseminados pelo território e redes logísticas já existentes”.
O objetivo é “combater a obsolescência programada e promover a extensão da vida útil dos equipamentos, designadamente equipamentos elétricos e eletrónicos”, bem como promover o emprego em pequenas e médias empresas ligadas à reparação de equipamentos, “criando uma rede nacional de reparadores enquadrados num mecanismo de reconhecimento de qualidade de serviço”.
15. Retoma da alta velocidade e novo aeroporto
O documento propõe a retoma do projeto de ligação entre o Porto e Lisboa por alta velocidade ferroviária e do novo aeroporto de Lisboa devido à necessidade de “construir um eixo ferroviário de alta velocidade Porto-Lisboa para passageiros, começando com o troço Porto-Soure (onde existem mais constrangimentos de circulação)”.
Esta ligação “potenciará a afirmação das duas áreas metropolitanas do país e o seu funcionamento em rede”, além de trazer “grandes ganhos ambientais por dispensar as ligações aéreas”.
16. Recuperação centrada nas pessoas, reforçando setor social
O plano de recuperação económica deve centrar-se nas pessoas, identificar e corrigir as vulnerabilidades do setor social, designadamente no combate à pobreza, ao desemprego, à exclusão social. São propostos um conjunto de programas de investimento que permitem responder a problemas desde a habitação social à proteção dos mais idosos.
17. Cumprimento do Pacto Ecológico Europeu
A recuperação económica para Portugal de 2020 a 2030 tem que cumprir os objetivos do Pacto Ecológico Europeu. O gestor considera que “a sociedade reconhece e exige um plano de recuperação verde” e aponta como objetivos “mais energias renováveis, mais gás e menos carvão, mais eletricidade, mais tecnologias digitais”.
Reafirma o compromisso “de neutralidade carbónica e a trajetória de redução de emissões”, cumprindo as metas para 2030 dos planos nacionais para a energia e economia circular, como a utilização de 80 por cento de energias renováveis.
18. Criação de clusters para desenvolver o interior
É proposto um plano de investimento direcionado para o interior que prevê a criação de clusters regionais em várias áreas, da floresta às ciências biomédicas, numa lógica de “descentralizar o país”. O documento atribui à coesão do território, à agricultura e à floresta um papel fundamental para “mobilizar o interior do país” e “contribuir para a construção de uma economia mais justa, equilibrada e inclusiva”.
Tal como noutros documentos de gestão do território das últimas décadas, é reconhecido que há um desafio significativo ao nível da estrutura da propriedade, “extremamente fragmentada”, e da conversão de paisagens de forma a melhorar a vida das comunidades locais e reduzir riscos como os dos incêndios rurais.
19. Centro para gerir riscos naturais e soluções para escassez de água
A criação de um centro de competências para a gestão de riscos naturais e a investigação de soluções para combater a escassez da água são propostas da versão preliminar do plano. Evidenciando uma preocupação com a transformação da paisagem, de forma a restaurar ecossistemas, equilibrar a ocupação do solo e combater a desertificação, a versão preliminar destaca a necessidade de ser criado um centro de competências para a gestão dos riscos naturais e de saúde pública.
“Portugal pode enfrentar riscos significativos no futuro, não só em termos de novas pandemias, mas também no âmbito do risco sísmico, energético, climático, ciberataques, riscos naturais de diversa índole. É importante o país investir nas suas capacidades e recursos humanos direcionados para a identificação e prevenção de risco, e desenvolvimento de estratégias de resposta e resiliência do território”, é referido.
20. Consórcios internacionais para explorar recursos nacionais
António Costa Silva defende que Portugal crie consórcios internacionais para aproveitar os seus recursos estratégicos, como minérios fundamentais à transição energética, e que para os mercados internacionais desenvolva um selo verde da ‘Marca Portugal’ que diferencie o país.
Apesar das melhorias, Portugal tem de reforçar a atração de investimento externo, nomeadamente para recursos estratégicos — como recursos minerais (lítio, cobalto, níquel, nióbio, tântalo, terras raras) importantes na transição energética (fabrico das novas baterias, indústria eletrónica de alta precisão) e o mar – que “com uma visão a médio e longo prazo podem transformar-se em fontes de criação de riqueza e valor”.
O consultor defende que o país desenvolva projetos para atrair investimento externo e desenvolver consórcios internacionais para aproveitar estes recursos, aprendendo com o que fez a Noruega para o desenvolvimento da sua indústria de petróleo e gás.
21. Evitar guetos com habitação social
O plano defende a criação de habitação social em meios residenciais já existentes, para evitar a criação de guetos, e a contínua recuperação de património devoluto. Destaca a importância do “provimento público de habitação, seja por construção de raiz de habitação social, mas não de bairros sociais, seja por recuperação de parte do parque habitacional devoluto e a sua redistribuição”.
A proposta sublinha que as diferentes vulnerabilidades ao contágio demonstradas na pandemia de covid-19 tornam ainda mais urgente a necessidade de acabar com as debilidades no acesso à habitação, que é “um fator de desigualdade social e segregação territorial”.
Fonte: ZAP