A ADSE fechou o ano passado com mais dinheiro em caixa do que no ano anterior, contrariando a tendência de queda registada nos últimos três anos, revela o Relatório de Atividades do instituto que gere o sistema de assistência na doença da função pública.
Depois de ter alcançado um saldo inédito de 200 milhões de euros em 2014, esta almofada foi encolhendo nos anos seguinte e, em 2018, contrariando as expetativas da própria ADSE, a tendência inverteu-se e o saldo foi de 67 milhões de euros, acima dos 58,5 milhões registados em 2017, mostra o relatório, citado pelo Público esta sexta-feira.
De acordo com o documento a que o jornal diário teve acesso, o saldo de 67 milhões de euros está corrigido dos efeitos relacionados com os atrasos no pagamento das faturas no regime livre (quando os beneficiários vão a médicos sem convenção e depois apresentam a fatura à ADSE).
Se esse efeito não for tido em conta, o saldo orçamental aumenta para 90 milhões de euros (31,5 milhões acima do de 2017), correspondendo à diferença entre as receitas (638 milhões de euros) e as despesas (548 milhões) totais.
Numa análise mais detalhada das contas da ADSE, conclui-se que as receitas totais (638 milhões de euros) aumentaram 3% entre 2017 e 2018. Os descontos dos beneficiários, que representam cerca de 93% das receitas, tiveram um aumento semelhante e ultrapassaram os 592 milhões de euros.
Porém, nesse montante, estão incluídos 10 milhões de euros relativos aos beneficiários dos Açores que, no ano passado, passaram a descontar diretamente para a ADSE.
Reembolsos demoram 60 dias
As alterações relacionadas com os beneficiários açorianos também influenciaram as despesas totais, que recuaram para 548 milhões de euros (menos 2% do que em 2017). Esta redução, refere o relatório, ficou a dever-se à diminuição de pagamentos no regime livre, que recuaram 9% face ao ano anterior, por causa dos atrasos no reembolso dos recibos aos beneficiários.
Em média, as pessoas tiveram de esperar 60 dias para serem reembolsadas o que, segundo o conselho diretivo, se deve “ao esforço feito para recuperar os pagamentos às Regiões Autónomas” e a “uma maior exigência na verificação da necessidade clínica para a realização dos atos”.
Outro fator que contribui para a redução global da despesa foi ainda o facto de a ADSE ter deixado de pagar os medicamentos dispensados em farmácia comunitária nos Açores.
Já os gastos da ADSE com regime convencionado aumentaram 1%, para 398 milhões. As convenções representaram, em 2018 cerca de 73% do total dos gastos, enquanto em 2017 o peso era de 70%.
Olhando para os resultados líquidos da ADSE, encontra-se igualmente um excedente de 46 milhões de euros. Este valor é inferior aos 77 milhões alcançados em 2017, uma redução que o conselho diretivo justifica com a constituição de provisões, efetuada pela primeira vez em 2018. Mais uma vez, os responsáveis pela gestão da ADSE recomendam que este resultado seja aplicado no desenvolvimento da atividade futura do sistema.
Universo de beneficiários recua para níveis inéditos
O recuo das despesas também poderá ter sido influenciado pela perda de beneficiários que se intensificou em 2018. A ADSE fechou o ano com 1.204.964 beneficiários, o valor mais baixo desde, pelo menos, 2009 e menos 2% do que em 2017.
Nesse número estão contabilizados os titulares (funcionários públicos no ativo ou aposentados que todos os meses descontam 3,5% do salário ou da pensão para aceder à ADSE) e os familiares, que não fazem desconto mas podem usufruir do sistema (filhos até aos 26 anos, cônjuges que não tenham rendimentos e outras situações excecionais).
Embora o cenário seja globalmente negativo, o relatório traz um sinal positivo: os beneficiários titulares – que contribuem para o financiamento do sistema – aumentaram 0,7%, reforçando a tendência que já se tinha verificado em 2017 (quando o aumento foi de 0,2%). Neste momento, cerca de 70% dos beneficiários são titulares, tratando-se da percentagem mais elevada desde 2009.
O conselho diretivo da ADSE não explica a que se ficou a dever o aumento dos titulares, mas muito possivelmente está relacionado com a entrada de trabalhadores através do programa de regularização de precários que está em curso no Estado e com a admissão de novos trabalhadores nas escolas ou nos hospitais ao longo do ano passado.
Já o número de familiares a beneficiar do sistema teve um recuo inédito de 7,7%, com menos 30.446 pessoas. Neste caso, a ADSE adianta que a diminuição “resulta essencialmente de uma ação mais intensa de fiscalização da ADSE sobre a verificação do direito à inscrição, bem como à saída de descendentes [após os 26 anos]”.
O relatório a que o Público teve acesso não aborda a questão da abertura da ADSE a novos beneficiários. No ano passado, o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) apresentou uma proposta concreta ao Governo e num estudo recente concluiu que a entrada no sistema de 100 mil novos beneficiários com contratos individuais a trabalhar na função pública permitiria alcançar um excedente de 80 milhões de anos até 2023.
O Relatório de Atividades de 2018 foi o principal ponto na agenda da reunião do CGS, que decorreu na quinta-feira em Lisboa. Os representantes dos beneficiários, sindicatos, beneficiários e Governo reuniram-se para dar o seu parecer ao documento e às contas.
Ao que o Público apurou, os conselheiros decidiram dar luz verde às contas e pedir ao conselho diretivo da ADSE que reformule relatório para integrar os pareceres do CGS e explicar com mais detalhe os resultados.
O instituto que gere a ADSE (sistema de assistência na doença da função pública) perdeu 7,1% dos seus trabalhadores entre 2017 e 2018 e tinha, no final do ano passado 184 pessoas ao serviço, “um dos valores mais baixos dos últimos anos”.
O mapa de pessoal prevê a existência de 242 postos de trabalho, mas nos últimos anos o número de trabalhadores tem vindo a reduzir-se e está muito aquém do previsto na lei. O decréscimo de trabalhadores, lê-se no Relatório de Atividades de 2018, ocorreu sobretudo nos assistentes operacionais, nos assistentes técnicos e nos técnicos superiores.
Os principais motivos para as saídas são a aposentação e a mobilidade e no relatório o conselho diretivo da ADSE não dá conta das medidas que tomou para fazer face à escassez de recursos humanos.
Há muito que o Conselho Geral e de Supervisão da ADSE tem alertado para a falta de pessoal e ainda recentemente o presidente deste órgão, João Proença, frisava que o reduzido número de trabalhadores impedia que os serviços de inspeção e combate à fraude da ADSE fizessem o seu trabalho.
A falta de recursos humanos também tem contribuído para o aumento dos prazos médios de pagamento das faturas apresentadas pelos beneficiários que recorrem ao regime livre.
Hospitais privados faturaram 21 milhões a mais
Os hospitais e clínicas privados que têm convenções com a ADSE faturaram 21 milhões de euros a mais ao sistema de saúde da Função Pública entre 2017 e 2018, que terão de ser regularizados, revela igualmente o Relatório de Atividades.
Como avança a agência Lusa, citada pelo ECO, a regularização de faturas foi o que esteve na base da contestação no início deste ano entre os hospitais privados e a ADSE, sobretudo dos grandes grupos, que chegaram a ameaçar suspender as convenções com a ADSE devido ao valor de 38 milhões de euros relativo aos anos de 2015 e 2016.
Segundo o relatório, a regularização da faturação dos prestadores privados ascende a 11 milhões euros em 2017 e a 10 milhões de euros no ano seguinte, num total de 21 milhões nos dois anos.
O documento indica ainda que foi constituída uma provisão “para outros riscos e encargos” de um terço do valor relativo à regularização dos 38 milhões de euros referentes aos anos de 2015 e 2016, correspondente a 12,6 milhões de euros.
A ADSE e os grupos de saúde privados estão a negociar as novas tabelas de preços do subsistema de saúde dos funcionários públicos, com preços fechados, com o objetivo de acabar com o regime de regularizações.
Uma vez que o preço é atualmente aberto, a regularização serve para a ADSE poder fazer depois uma tentativa de uniformização dos preços.
No final de abril, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) escreveu aos associados a informar que a ADSE ainda não tinha apresentado qualquer proposta para uma nova tabela de preços, apesar das insistências junto da tutela.
Em fevereiro, a presidente do conselho diretivo da ADSE, Sofia Portela, disse no Parlamento que “dentro de muito pouco tempo” iria apresentar aos prestadores de saúde privados a nova tabela do regime convencionado com preços fechados.
TP, ZAP //
Fonte: ZAP