A Assembleia da República adjudicou a estadia dos deputados da Comissão do Ambiente em Castelo branco a um hotel que tem como proprietária a deputada do PS Hortense Martins.
A comissão fez uma visita de estudo ao rio Tejo nos dias 1 e 2 de abril e os deputados acabaram por dormir no hotel da deputada na véspera para que pudessem estar a horas no primeiro ponto do programa: uma reunião às 8h30, na segunda-feira, cujo anfitrião era o presidente da câmara municipal de Castelo Branco, e marido da deputada, Luís Correia.
Hortense Martins diz ao Observador que desconhecia que os colegas iam ficar no hotel, detido por uma empresa onde é sócia do pai. O gabinete do secretário-geral do Parlamento justificou a escolha, alegando que a AR “escolheu o hotel mais barato” após lhe terem sido apresentadas duas hipóteses pela agência de viagens que trabalha com o Parlamento.
Hortense Martins garantiu que “não integra a Comissão de Ambiente e Ordenamento do Território nem integrou a delegação que se deslocou a vários distritos, onde se incluiu o distrito de Castelo Branco”. Contudo, segundo o Observador, a deputada participou na reunião e falou em nome da bancada do PS num evento em Vila Velha de Ródão.
A deputada do PS justificou essas intervenções por ter sido “sempre uma das vozes ativas sobre os assuntos da região, em defesa intransigente dos interesses das populações e do interesse público”.
Quanto ao facto de o hotel do qual é também proprietária ter sido contratado pela Assembleia, Hortense Martins alega que a “contratação” foi feita a “uma agência de viagens e não à mencionada empresa proprietária da referida unidade hoteleira”. Por isso, é “totalmente alheia às questões referidas relacionadas com reservas ou estadias”.
O deputado bloquista Pedro Soares, rejeita responsabilidade dos deputados na escolha do hotel. Pedro Soares referiu que “aos deputados que compõem a Comissão de Ambiente cabe a definição do programa da visita“. O presidente da comissão esclareceu que “a logística, incluindo o alojamento, é proposta e organizada pelos serviços da Assembleia da República, tendo o critério para a escolha sido a oferta mais barata”.
A agência de viagens “indicou, na zona de Castelo Branco, os hotéis Rainha D. Amélia (54€/noite) e Tryp Colina do Castelo (75€/noite)” e que “estas opções foram transmitidas à Comissão”. Segundo o gabinete do secretário-geral, o custo total “ascendeu a 486 euros“, referente a uma noite para 9 pessoas. Esta prestação de serviços, por ser inferior a 5.000 euros, pôde ser feita por ajuste direto simplificado.
O número de dormidas contratualizado não bate certo com as informações referentes à delegação que compôs a visita, que indicam que pelo menos 11 pessoas iriam ter alojamento em Castelo Branco na noite de 31 de março.
O que justifica a dormida é o primeiro agendamento do dia seguinte: uma reunião com autarcas nos Paços do Concelho de Castelo Branco. O anfitrião da reunião foi o presidente da câmara de Castelo Branco, Luís Correia, que é marido de Hortense Martins. Luís Correia foi recentemente associado a um grupo de autarcas que criou uma ONG-fantasma para receber subsídios públicos. Além disso, já teve problemas com adjudicações feitas a empresas de familiares.
O hotel da deputada
Hortense Martins é detentora de 24% da Martinurb — Urbanismo Imobiliário, informação que consta do registo de interesses entregue na AR na atual legislatura. A mesma Martinurb detém 26% da Investel — Investimentos Hoteleiros, a empresa proprietária do Hotel Rainha Dona Amélia, Arts & Leisure, em Castelo Branco, onde ficaram os deputados.
Ao deter 24% de uma empresa que detém 26% da empresa proprietária do hotel, isso significa que Hortense Martins tem menos de 10% da Investel. Ou seja: segundo o artigo 21.º dos estatutos dos deputados, o hotel não está impedido de fazer contratos com o Estado. Mas há um detalhe relevante: os outros 74% do hotel pertencem a Joaquim Martins, pai de Hortense Martins.
Ainda assim, a lei n.º 64/93 estabelece no ponto 1 do artigo 8.º que “as empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um titular de órgão de soberania ou titular de cargo político, ou por alto cargo público, ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de atividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas”.
O ponto dois estabelece que “ficam sujeitas ao mesmo regime” de incompatibilidade as “empresas de cujo capital, em igual percentagem sejam titulares os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e os colaterais até ao 2.º grau” e “as empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo detenha, direta ou indiretamente, por si ou conjuntamente com os familiares, uma participação não inferior a 10%”.
Seguindo a lei, a Investel não pode fazer contratos públicos com a AR. A única coisa que pode livrar o Parlamento de cometer uma ilegalidade é a fatura ter sido passada à agência de viagens e não ao hotel.
Fonte: ZAP