Há cerca de 10 mil milhões de anos, a Via Láctea fundiu-se com uma grande galáxia. As estrelas dessa parceira, de nome Gaia-Encélado, compõem a maior parte do halo da Via Láctea e também moldaram o seu espesso disco, dando-lhe a sua forma inchada.
Uma descrição dessa megafusão, descoberta por uma equipa internacional liderada pela astrónoma Amina Helmi, da Universidade de Groninga, foi publicada no passado dia 31 de outubro na revista científica Nature.
As galáxias grandes como a nossa Via Láctea são o resultado de fusões entre galáxias mais pequenas. Uma questão notável é se uma galáxia como a Via Láctea é o produto de muitas fusões pequenas ou de algumas grandes.
A professora de astronomia Amina Helmi, da Universidade de Groninga, passou a maior parte da sua carreira à procura de “fósseis” na nossa Via Láctea, que podem fornecer algumas pistas sobre a sua evolução. Ela usa a composição química, a posição e a trajetória das estrelas no halo para deduzir a sua história e, assim, identificar as fusões que criaram a jovem Via Láctea.
Segundo lançamento de dados do Gaia
O recente segundo lançamento de dados da missão do satélite Gaia, no passado mês de abril, forneceu à professora Helmi dados sobre cerca de 1,7 mil milhões de estrelas.
Helmi esteve envolvida no desenvolvimento da missão Gaia durante cerca de vinte anos e fez parte da equipa de validação do segundo lançamento. Ela usou agora os dados para procurar vestígios de fusões no halo: “Nós esperávamos estrelas de galáxias fundidas no halo. O que não esperávamos era descobrir que a maioria das estrelas no halo têm uma origem partilhada numa fusão muito grande.”
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Disco espesso
E foi o que encontrou. A assinatura química de muitas estrelas do halo era claramente diferente das estrelas “nativas” da Via Láctea. “E pertencem a um grupo bastante homogéneo, o que indica que partilham uma origem comum”.
Ao traçar a trajetória e a assinatura química, as “invasoras” destacam-se claramente. Helmi: “As estrelas mais jovens de Gaia-Encélado são na realidade mais jovens do que as estrelas nativas da Via Láctea no que é hoje a região do disco espesso. Isto significa que a progenitora deste disco espesso já estava presente quando a fusão ocorreu e Gaia-Encélado, devido ao seu grande tamanho, abanou-o e inchou-o.”
Num artigo anterior, Helmi já havia descrito uma enorme “bolha” de estrelas que partilhavam uma origem comum. Agora, ela mostra que as estrelas dessa bolha no halo são os detritos da fusão da Via Láctea com uma galáxia que era um pouco mais massiva do que a Pequena Nuvem de Magalhães, há cerca de dez mil milhões de anos. A galáxia é chamada Gaia-Encélado, em honra ao Gigante Encélado que, na mitologia grega, nasceu de Gaia (a deusa da Terra) e Úrano (o deus do Céu).
Os dados sobre a cinemática, química, idade e distribuição espacial das estrelas nativas da Via Láctea e os remanescentes de Gaia-Encélado lembraram Helmi de simulações realizadas por um ex-aluno de doutoramento, há aproximadamente dez anos.
As suas simulações da fusão de uma galáxia grande em forma de disco com a jovem Via Láctea produziram uma distribuição de estrelas de ambos os objetos, que está em linha com os dados do Gaia. “Foi incrível ver os novos dados do Gaia e perceber que já tinha visto isto antes!,” conclui a astrónoma.