Uma análise de um grupo de investigação da Universidade de Oxford, no Reino Unido, alegou sucesso no entrelaçamento de bactérias com fotões, as partículas de luz.
A equipa estudou uma experiência realizada em 2016 por David Coles, da Universidade de Sheffield. De acordo com o artigo, publicado a 10 de outubro no Journal of Physics Communications, a assinatura de energia produzida na experiência pode ser consistente com os sistemas fotossintéticos da bactéria, tornando-se emaranhados com a luz.
Em suma, parece que certos fotões estavam simultaneamente a atingir e perder moléculas fotossintéticas dentro da bactéria – uma característica distintiva do entrelaçamento.
“Os nossos modelos mostram que o fenómeno é um traço do entrelaçamento entre a luz e certos graus de liberdade dentro das bactérias”, disse a física quântica Chiara Marletto.
O fenómeno paradoxal conhecido como sobreposição quântica postula que uma partícula possa parecer estar em dois lugares ao mesmo tempo e que duas partículas podem tornar-se “entrelaçadas”, partilhando informações através de distâncias arbitrariamente grandes através de um mecanismo desconhecido.
Por mais estranho que pareça, o conceito foi experimentalmente validado inúmeras vezes em escalas quânticas. Já no mundo macroscópico, as coisas são bem diferentes.
Ninguém jamais testemunhou uma estrela, um planeta ou um gato em sobreposição quântica, ou em estado de entrelaçamento quântico – o gato de Schrödinger, por exemplo, é um experiência do pensamento, ou seja, teórica.
Desde a formulação inicial da teoria quântica no início do século X que os investigadores se perguntam onde é que os mundos microscópico e macroscópico se podem cruzam.
Nas últimas duas décadas, o campo emergente da biologia quântica procurou respostas para estas questões, realizando experiências com organismos vivos que pudessem sondar os limites da teoria quântica.
Estas experiências já renderam resultados promissores, mas inconclusivos. No início deste ano, por exemplo, cientistas mostraram que o processo de fotossíntese pode envolver alguns efeitos quânticos. A forma como cheiramos também sugerem efeitos quânticos que podem ocorrer de maneiras incomuns nos seres vivos.
Até agora ninguém conseguiu levar todo um organismo vivo a mostrar efeitos quânticos como emaranhamento ou sobreposição quântica.
No trabalho de Coles, a equipa prendeu centenas de bactérias fotossintéticas entre dois espelhos, encolhendo progressivamente a distância entre os espelhos até chegar a apenas algumas centenas de nanómetros – menos do que a largura de um cabelo humano.
Fazendo incidir a luz branca entre os espelhos, os investigadores esperavam fazer com que as moléculas fotossintéticas dentro das bactérias se unissem ou interagissem com a cavidade, significando que absorveriam, emitiriam e reabsorveriam continuamente os fotões saltitantes. Sucesso: pelo menos seis bactérias fizeram o que se esperava.
Entrando no mundo quântico
No seu artigo, Marletto argumenta que as bactérias se tornaram “emaranhadas” com a luz dentro da cavidade. Aparentemente, certos fotões estavam simultaneamente a atingir e a perder moléculas fotossintéticas dentro da bactéria.
De acordo com outro autor do estudo, Tristan Farrow, esta é a primeira vez que tal efeito foi vislumbrado num organismo vivo. “Certamente é fundamental para demonstrar que estamos a caminho de uma bactéria de Schrödinger”, afirmou.
Como as bactérias utilizadas no estudo residem no oceano profundo, onde há escassez de luz, este fenómeno pode até estimular adaptações evolutivas da mecânica quântica para impulsionar a fotossíntese.
Ressalvas
Em primeiro lugar, a evidência para o emaranhamento nesta experiência é circunstancial, ou seja, depende de como se escolhe interpretar a luz na cavidade. Marletto reconhece que um modelo clássico livre de efeitos quânticos também poderia explicar os resultados.
Além disso, um modelo “semiclássico” mais realista, usando as leis de Newton para as bactérias e as quânticas para fotões, não pode reproduzir o resultado real que Coles observou.
Por fim, as energias das bactérias e do fotão foram medidas coletivamente, não de forma independente, o que é uma limitação, segundo sustenta Simon Gröblacher, físico da Universidade de Tecnologia de Delft, que não fez parte do estudo.
“Parece haver algo quântico a acontecer. Mas, geralmente, para demonstrar entrelaçamento, é preciso medir os dois sistemas independentemente para confirmar que qualquer correlação quântica entre eles é genuína”.