Apesar de Vítor Constâncio ter referido, a propósito do caso Berardo, que o supervisor não pode anular créditos concedidos, em 2010, o Banco de Portugal mandou travar um crédito do Finibanco à Domusvenda.
Em 2010, o Banco de Portugal ordenou que o Finibanco provisionasse a 100% os empréstimos concedidos à Domusvenda ou então que os revertesse — que foi o que acabou por acontecer. Na altura, o banco era liderado por Vítor Constâncio, que, a propósito do caso Berardo, disse que o supervisor não pode anular créditos concedidos.
Em causa, segundo a notícia avançada pelo jornal Público, estava um “contrato de cessão de créditos” registados por 146 milhões de euros e vendidos à Domusvenda por 17,704 milhões de euros. A operação foi financiada em 99% pelo Finibanco.
O Banco de Portugal analisou a atividade do Finibanco e foi aí que se deparou com uma operação de cessão de créditos abatidos ao ativo no valor de 145,688 milhões de euros. O BdP deu conta que o risco da operação estava todo do lado do credor.
Isto porque a Domusvenda, sociedade de recuperação de crédito malparado pagou 17,7 milhões de euros pelos ativos com baixa probabilidade de recuperação. Subjacente à cessão de crédito malparado, o Público explica que estavam 17,4 milhões de euros de financiamentos do Finibanco ao veículo criado pela Domusvenda para adquirir os ativos.
Sem uma análise de risco da operação por parte do Finibanco, o supervisor decidiu intervir e questionar o banco sobre a natureza da transação. O BdP chegou mesmo a reunir-se com o administrador do Finibanco, Armando Esteves, e o diretor de risco, Gabriel Torres.
Numa dessas reuniões, Armando Esteves perspetivou que a situação ficasse resolvida até setembro de 2010, sendo que a Domusvenda, em julho, “já havia amortizado a dívida em cerca de 16%”.
No entanto, o supervisor não parece ter ficado convencido e sentenciou que ou o banco constituía provisões correspondentes ao montante em dívida — que na altura era de 15,750 milhões de euros —, ou recomprava os créditos cedidos. A 12 de novembro desse ano, seria assinado um contrato que acordava a revogação da cessão de créditos, “por circunstâncias conhecidas de ambas as partes”.
Depois da venda do Finibanco ao Montepio Geral, em novembro de 2010, seria o Montepio a reverter as operações e a anular os empréstimos concedidos à Domusvenda. Contactado pelo Público, o administrador do Finibanco Armando Esteves diz não se lembrar de nada.
Segundo o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o Banco de Portugal pode opor-se a operações de crédito que violem os princípios de prudência e boa gestão.
O caso Berardo
Apesar disso, o ex-governador do BdP, Vítor Constâncio reiterou ultimamente, a propósito do caso Berardo, que não é possível ao banco público obrigar os bancos a reverter empréstimos já concedidos.
Foi assim que Constâncio justificou a razão para não ter alertado a Caixa Geral de Depósitos para os riscos do empréstimo de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo. O crédito concedido serviria para Berardo reforçar a sua parte no BCP até uma quota entre 5% a 10%.
Esta operação iria ser cofinanciada pela própria Fundação José Berardo, mas, em agosto de 2007, o Banco de Portugal foi notificado que a compra de posições do BCP iria ser um investimento totalmente financiado pela Caixa. Joe Berardo, que já devia 50 milhões de euros a esta instituição, acabou por se tornar num dos maiores devedores, com quase 900 milhões de euros em dívida.
“O Banco de Portugal não poderia de nenhuma forma alterar ou anular esse empréstimo. Não podia. Nem legalmente nem de qualquer outra forma, já que se o fizesse estaria a desrespeitar os direitos dos outros e a abusar da sua autoridade. Ir ‘além da lei’ significa violá-la e isso tem um nome no código penal – prevaricação”, escreveu José Sócrates, em resposta à comissão de inquérito à CGD, alinhando no discurso de Constâncio.
Fonte: ZAP