Manuel de Almeida / Lusa
Joe Berardo
Joe Berardo pediu a expedição para o Reino Unido de 16 obras que compõem a Coleção Berardo no ano passado. Apesar da saída dos bens ser temporária, admitia uma “eventual venda”. O Governo travou.
O acordo para a disposição daquelas obras impede a alienação até 2022. A coleção integra os bens que os bancos acreditam poder recuperar para minimizar as perdas com os empréstimos concedidos ao comendador, cuja dívida estará nos 980 milhões de euros.
Ao Expresso, a assessoria de imprensa do Ministério da Cultura disse que “enquanto vigorar o contrato de comodato, a Coleção Berardo não pode dispor dos bens culturais”, relativamente ao pedido feito para a expedição temporária de 16 obras que pertencem à Coleção Berardo.
A Associação Coleção Berardo, cujo presidente honorário é o empresário madeirense, fez uma “comunicação prévia” à Direção-Geral do Património Cultural a dar conta da expedição. Contudo, a resposta foi negativa. Não podiam sair do país.
A posição mereceu contestação da associação: não havia indicação das normas legais que fundamentavam a recusa, pelo que o despacho era “inválido”, padecendo o ato de “ilegalidade e de desvio de poder”.
“A Associação Coleção Berardo, enquanto vigorar o comodato, não pode dispor dos bens culturais objeto do pedido de expedição, uma vez que o contrato de comodato e a opção de compra concedida ao Estado lhe impedem a livre disposição dos mesmos bens”, foi a nova resposta do organismo público.
A Coleção Berardo enquadra-se no conjunto de bens sobre os quais “tem de haver comunicação prévia quando há a exportação e a expedição temporárias ou definitivas, ou temporárias com possibilidade de venda, dos quadros”, como define o regime da classificação e da inventariação dos bens móveis de interesse cultural.
Tudo se enquadra no facto de os 16 quadros pertencerem à Coleção Berardo “que aquela associação se obrigou a manter em comodato na Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo pelo período de seis anos, renováveis automaticamente, a contar de 1 de janeiro de 2017”.
Até ao fim de 2022 está em vigor a união, em regime de comodato, que, como define o Código Civil, é um “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”. O protocolo vem de 2006, tendo sido alvo de uma adenda em 2016.
O Palácio Nacional da Ajuda deu vários argumentos para impedir a expedição daqueles bens. Por um lado, a associação não pode fazer uso dos quadros que deixou ao dispor do Estado.
Por outro lado, há uma limitação nos estatutos da Coleção Berardo no que diz respeito à “transferência de qualquer quadro da Coleção Berardo do Museu para qualquer outro local, exceto por razões de conservação, ou em conformidade com a política de empréstimos para exposições temporárias em museus e nos termos e condições em vigor em cada momento na Fundação para esse fim”.
É preciso o “voto favorável de quatro dos membros do conselho com direito a voto”. A administração é composta por dois representantes do Governo, dois escolhidos por Berardo e um de comum acordo.
A adenda feita ao protocolo em 2016 “confere ao Estado o direito de opção de compra da Coleção Berardo, no seu todo, no termo da vigência do comodato ou da sua última renovação”.
A Coleção Berardo, que integrava 1.084 obras de arte no final de 2017, é a parcela de bens do empresário para a qual a banca tem olhado com o intuito de recuperar parte dos montantes emprestados. Os bens culturais foram dados como garantia adicional quando o valor das ações garantidas afundou.
O comendador está na lista dos grandes devedores dos grandes bancos – CGD, BCP e Novo Banco. São créditos obtidos tanto a nome individual como de entidades que lidera. A dívida conjunta de Berardo aos bancos aproxima-se dos 980 milhões de euros.
As explicações do empresário deverão ficar para a terceira comissão parlamentar de inquérito à CGD, a segunda à gestão do banco, que está em curso. Ainda não há data, já que não será possível ouvir todas as personalidades convocadas até junho, quando os trabalhos têm de terminar.
Fonte: ZAP