Entre 2% e 5% de todo o plástico produzido no mundo acaba despejado nos oceanos, em forma de resíduo. Ali, esse material vai-se degradando lentamente, deteriorando-se — e transformando-se no chamado microplástico, pequenas partículas que podem ser microscópicas ou chegar até 5 milímetros de comprimento.
Os mares estão cheios destas partículas, num processo que começou nos anos 50, quando a indústria mundial passou a produzir em maior quantidade estes materiais.
Mas todo este lixo não para no mar. Estas pequenas partículas acabam ingeridas por animais marinhos e, assim, entram na cadeia alimentar. No fim da linha, nós, humanos, acabamos por comer plástico.
Resíduos do material também podem acabar por entrar no nosso organismo quando consumimos produtos embalados em plástico, seja o invólucro que envolve a carne processada, seja a água engarrafada.
Mas quanto plástico ingerimos?
Um grupo de cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, resolveu fazer um levantamento inédito. Liderados pelo investigador Kieran Cox, compilaram 26 estudos anteriores que analisaram as quantidades de partículas de microplásticos em peixes, moluscos, açúcares, sais, álcoois, água — da torneira e engarrafada — e no próprio ar.
Usando como base as Diretrizes Alimentares, o guia com a recomendação do governo americano, os cientistas avaliaram a quantidade desses alimentos que costuma ser ingerida por homens, mulheres e crianças por ano.
O resultado foi que a ingestão de microplásticos varia de 74 mil a 121 mil partículas por ano, conforme a idade e o sexo. Para aqueles que só bebem água engarrafa, o estudo constatou que quem prefere água assim, em vez da água de torneira, pode estar a ingerir microplásticos a mais.
“Indivíduos que cumprem a ingestão de água recomendada apenas por meio de fontes engarrafadas podem estar a ingerir mais de 90 mil microplásticos anualmente, em comparação com 4 mil microplásticos para quem consome apenas água da torneira”, realça Cox, num artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Environmental Science & Technology.
É muito difícil quantificar em termos de volume ou mesmo tamanho toda esta quantidade de microplásticos. Isso porque as partículas podem ser microscópicas — mas, por conceito, um fragmento de até 5 milímetros de comprimento ainda pode ser chamado de microplástico.
Se considerarmos o limite extremo dessa escala, ingerir 121 mil partículas de microplásticos seria o equivalente a engolir uma fita plástica de 605 metros.
Efeitos no corpo humano
Ainda pouco se sabe sobre quais os efeitos que os microplásticos podem vir a ter no corpo humano. O estudo publicado nesta quarta-feira, por exemplo, não aborda esse assunto.
Philipp Schwabl, da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade de Medicina de Viena, também prefere afirmar que qualquer afirmação definitiva necessita de mais investigação.
“Embora existam estudos em animais que mostram que partículas de microplástico têm potencial de causar danos a organismos, não há conhecimento suficiente sobre o impacto médico de tais partículas quando ingeridas por humanos”, disse.
Procurado pela BBC News Brasil, o médico toxicologista Anthony Wong, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, mostra-se preocupado com o elevado número de micropartículas que o estudo recente demonstra que ingerimos. “Podem haver consequências mecânicas e patológicas“, acrescentou.
O médico lembra que substâncias plásticas podem eventualmente aglomerar-se dentro do organismo e, com o tempo, “tornarem-se numa obstrução para o esvaziamento gástrico”.
Wong também explica que há um risco para a mucosa do estômago. “Ela é feita de vilosidades. Essas substâncias plásticas podem entrar e provocar inflamação ou mesmo obstrução, impedindo a absorção dos alimentos”, completa.
Outro risco é que os microplásticos se degradem pelas enzimas digestivas. “E, assim, liberem no organismo substâncias tóxicas presentes nos plásticos”, explica o médico.
Os diferentes tipos de plástico, conforme lembra o especialista, trazem componentes que podem ser nocivos. “Evidentemente que alguns causam doenças, outros causam tumores“, afirma Wong. “As partículas são pequenas, mas a acumulação ao longo do tempo pode causar problemas”.