As populações no concelho de Boticas andam com o coração nas mãos. O chão que pisam todos os dias esconde um tesouro valioso chamado lítio, que “vai criar riqueza para fora, mas pode ser a ruína das aldeias”.
A maior reserva de lítio da Europa foi descoberta no Vale de Cabrão, a 500 metros das povoações, e é ali que pode nascer a maior mina a céu aberto do continente europeu.
A área abrangida pela exploração é superior a 542 hectares. A mina vai laborar 24 horas por dia, todos os dias do ano, e vai interferir com a vida das 150 pessoas que vivem na freguesia.
É um projeto da multinacional inglesa, a Savannah Resouces, que prevê um investimento na ordem dos 500 milhões de euros, e que deverá entrar em produção em 2020, para produzir, estima-se, 175 mil toneladas por ano de espodumena de lítio, um mineral “inerte, usado para produzir sais de lítio”, usados nas baterias.
As populações, que contam com o apoio do presidente da Câmara de Boticas, temem que, com a exploração da mina, se verifique “uma destruição da paisagem e do património arquitetónico, devido às explosões, do habitat de espécies ameaçadas, como o lobo ibérico ou o mexilhão-de-rio, a criação de uma cratera de centenas de metros de profundidade na rocha, que nunca poderá ser recuperada”.
Alguns populares que residem junto ao vale, considerado Património Agrícola Mundial pela FAO, garantem que, se a mina for por diante, vão deixar a aldeia onde moram.
À Renascença, o porta-voz da empresa britânica explicou que a mina “é de extrema importância para o país e para o mundo. Vai ajudar a mitigar os impactes negativos emergentes das alterações climáticas a nível mundial, criar riqueza para Portugal e promover o emprego na região”.
Atualmente, está em curso o estudo de impacto ambiental e a empresa pretende que o Governo classifique a mina do Barroso como Projeto de Interesse Nacional. A decisão pode ser tomada a 21 de janeiro, mas as populações e autarquia não querem que tal aconteça.
Para informar, reivindicar mais informação e tentar impedir o projeto, foi também lançada uma petição online “pela preservação do ambiente, património e a saúde e qualidade de vida em Covas do Barroso”, com o objetivo de levar o assunto a debate na Assembleia da República.
O presidente da Câmara de Boticas queixa-se de a autarquia ter sido colocada à margem de todo o processo relacionado com a mina do Barroso.
“O processo iniciou-se em 2004, com a emissão de um parecer por parte da DGEG. E a Câmara Municipal de Boticas também concordou na altura para exploração de feldspato e quartzo, no lugar que eram 120 hectares. A partir daí a Câmara deixou de ter comunicações”, explica Fernando Queiroga.
Segundo o autarca, “houve aumento da área de prospeção e pesquisa sem comunicação” e, em maio, quando se deslocou ao terreno, alertado pela população, verificou que “a empresa optou por fazer decapagem completa de tudo o que é terra vegetal”.
A empresa “fez 105 plataformas com cerca de cem metros cada e só aí já foi uma situação de abuso, porque aquele sítio está classificado como reserva agrícola e reserva ecológica nacional”, denuncia Queiroga. O presidente da autarquia de Boticas afirma ainda que “não estão acauteladas as preocupações da população”.
“Não é possível fazer trabalhos de prospeção a 20/30 metros de casas de habitação sem falar com as pessoas. Aliás, a questão dos próprios terrenos, a população também foi enganada, porque foi-lhe pedido autorização para fazerem uns pequenos furos e pura e simplesmente vedaram caminhos públicos e o acesso a essas próprias propriedades foi vedada, porque tiveram uma intervenção abusadora”, denuncia o autarca.
A 21 de janeiro o autarca vai participar numa reunião na AICEP, onde vai ser analisado se o projeto é de interesse nacional e antecipou que o seu parecer “é contra, porque não houve uma informação prévia, quer ao município quer à população, do projeto da mina”.
O ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, já garantiu que não haverá exploração de lítio em Boticas, sem avaliação do impacto ambiental, explicando que o Governo encara aquele negócio “sempre numa perspetiva de acrescentar valor”. Uma posição que, segundo o jornal, deixa o autarca “mais tranquilo”.
Fonte: ZAP