Uma equipa de investigadores desenvolveu recentemente uma tecnologia inovadora que poupa tempo e recursos no estudo do comportamento animal em ambiente selvagem.
Cientistas de Oxford e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra desenvolveram um software baseado em Inteligência Artificial para detetar e reconhecer rostos de primatas em ambiente selvagem. O produto da investigação da equipa luso-britânica de investigadores foi publicado na quarta-feira na Science Advances.
“Cientistas e conservacionistas da vida selvagem vão conseguir poupar bastante tempo e recursos na análise de vídeo recorrendo à Inteligência Artificial”, lê-se no artigo científico.
Desenvolvido durante dois anos, o novo software usa os últimos avanços de “Deep Learning” (uma área da Inteligência Artificial), para “detetar, rastrear e reconhecer os rostos individuais de chimpanzés na natureza, juntamente com um conjunto de ferramentas gratuitas que permitem a outros investigadores identificar vídeos e treinar o software com os seus próprios conjuntos de dados”.
O estudo é o primeiro “a rastrear e reconhecer continuamente indivíduos numa ampla variedade de poses, e executa com alta precisão vídeos mais complexos, caracterizados por condições naturais variáveis, como baixa iluminação, baixa qualidade de imagem e desfoque do movimento”.
O modelo computacional foi treinado utilizando mais de 10 milhões de imagens de rosto de chimpanzés selvagens na Guiné Conacri, do arquivo de vídeo da Universidade japonesa de Quioto. A primatóloga Susana Carvalho, coordenadora da investigação e orientadora de Daniel Schofield, primeiro autor do artigo, assinala três grandes mais-valias da ferramenta.
A primeira é possibilitar análises de volumes enormes de vídeos de animais diretamente. “Houve muitas tentativas anteriores de conseguir esta identificação automática de indivíduos, mas nunca foi possível superar os desafios dos vídeos que fazemos em habitat natural, com mudanças de luz, de zooms, variação na qualidade ao longo do tempo e muito mais”, explica a investigadora.
A segunda vantagem “é que, ao automatizar a identificação de indivíduos, obtém-se também a automação das redes sociais desses indivíduos no seu grupo (produzindo automaticamente as chamadas Social Network Analysis)”.
Com isso, conseguimos ver a posição do indivíduo no seu grupo, ao longo dos anos. “Como indica o artigo, os indivíduos mais velhos do nosso grupo de Bossou mostram mais isolamento e distância relativamente ao grupo à medida que envelhecem”, diz a primatóloga do Centre for Functional Ecology da FCTUC e coordenadora do Primate Models Lab da Universidade de Oxford.
Por fim, outro benefício, e “talvez o mais importante, é o imenso potencial que isto abre para aplicações no trabalho de conservação de animais, particularmente em primatas (embora o nosso sistema possa ser adaptado a outras espécies), existe um potencial enorme para identificação de indivíduos, contagem automática de indivíduos em cada frame, etc.”.
Embora o estudo se tenha focado nos chimpanzés, os autores acreditam que o software e as ferramentas fornecidas possam ser aplicados a outras espécies e que ajudem a impulsionar a adoção de sistemas de Inteligência Artificial para resolver uma série de problemas nas ciências da vida selvagem.
“Continuamos a trabalhar com o Vision Group, liderado pelo professor Andrew Zisserman, da Faculdade de Engenharia em Oxford, onde estamos a desenvolver o mesmo sistema para outros primatas, designadamente babuínos do Parque da Gorongosa, e a dar os primeiros passos para automatizar análise de comportamentos a partir de vídeos, isso seria outro passo gigantesco para o campo de análise e evolução de comportamento de animais”, remata a investigadora.