Um estudo publicado nesta semana mostra que as pessoas que se alimentam de comidas orgânicas reduzem em 25% o risco de cancro.
A pesquisa, publicada na segunda-feira na revista americana Jama, foi desenvolvida pela Sorbonne, pelo Inra e pelo Inserm, e acompanhou cerca de 69 mil pessoas, sobretudo mulheres.
A hipótese é de que consumidores de produtos orgânicos ingerem menos pesticidas sintéticas nas frutas, legumes e cereais, reduzindo dessa forma o risco de cancro. Os voluntários preencheram um questionário que informava os salários, atividades físicas, índices de massa corporal e uso de tabaco.
O estudo dividiu os participantes em quatro grupos segundo a alimentação. Em seguida, o número de aparecimento de cancro em cada equipa foi contado, durante quatro anos e meio.
Em cerca de um quarto das pessoas que declararam comer mais produtos orgânicos, o risco de cancro era 25% inferior se comparado aos que nunca comiam este tipo de alimentos.
Pesquisa apresenta falhas, mas abre caminho
Os autores do estudo tiveram em conta o facto de que participantes que se alimentavam com frutas e legumes orgânicos também eram mais ricos, menos obesos e fumavam menos. Mas outros fatores invisíveis, ligados ao modo de vida, também podem ter tido um papel. Este é um problema clássico neste tipo de estudo.
“As pessoas que comem produtos orgânicos são provavelmente diferentes das outras em diversos aspetos”, explicou à AFP Nigel Brockton, diretor do Instituto Americano de Pesquisas Contra o Cancro (AICR).
Brockton recomenda, ao invés de alimentos específicos, um conjunto de práticas para reduzir o risco da doença, como manter um peso normal, uma atividade física, um regime saudável e menos carne vermelha.
A investigação tinha outros problemas: os pesticidas encontrados nos participantes não foram medidos, o que suscitou críticas dos especialistas de Harvard. Além do facto de que a colheita de dados por declarações pessoais não é extremamente confiável.
O estudo também apresenta diversos problemas para John Ioannidis, professor de medicina na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conhecido por ter afirmado que a maioria dos estudos publicados eram falsos.
“A maioria das pessoas não poderia dizer exatamente a quantidade de alimentos orgânicos que ingere”, disse à AFP. “O estudo tem 3% de probabilidade de ter encontrado algo importante e 97% de propagar resultados absurdos e ridículos“.
A confusão entre a correlação e causalidade está na base de muitas conceções erradas, o que torna imperativo que o assunto seja abordado com maior profundidade. Os cérebros são autênticas máquinas de reconhecimento de padrões, mas o processo é muito imperfeito, o que resulta na deteção de padrões na realidade que não existem.
A correlação, isto é, a ligação entre dois eventos, não implica necessariamente uma relação de causalidade, ou seja, que um dos eventos tenha causado a ocorrência do outro. A correlação pode no entanto indicar possíveis causas ou áreas para um estudo mais aprofundado.
Num exemplo conhecido de um caso real, vários estudos apontavam que as mulheres na menopausa que recebiam terapia de substituição hormonal tinham também um menor risco de doença coronária, o que levou à ideia de que esta terapia protegia as mulheres contra essa doença.
Uma análise posterior dos estudos revelou que as mulheres que recebiam a terapia tinham também uma maior probabilidade de pertencer a uma classe socioeconómica superior, com melhor dieta, hábitos de exercício e estilo de vida mais saudável.
A utilização da terapia e a baixa incidência de doença coronária não eram causa e efeito, mas o fruto de uma causa comum – os benefícios associados a um estatuto socioeconómico elevado.
Entretanto, certos investigadores lembram que “a investigação deve avançar pouco a pouco”. Tanto a influência da carne vermelha quanto o uso de cigarros necessitam de vários estudos. Enquanto isso, a Sociedade Americana do Cancro continua a insistir na importância de comer legumes e frutas, orgânicos ou não.