Rodrigo Antunes / Lusa
O Conselho de Obras Públicas dá nota negativa ao plano de investimentos do Governo aprovado em Janeiro de 2019. Mas também a estratégia esboçada pelo consultor António Costa e Silva para a recuperação da crise de covid-19 merece críticas. Más notícias numa altura em que Portugal vai receber uma “bazuca” da União Europeia (UE) que é preciso aplicar com eficácia.
No rescaldo do acordo europeu que vai permitir a Portugal receber valores históricos, nos próximos anos, no âmbito do Fundo de Recuperação da União Europeia (UE) para fazer face à pandemia, surgem críticas aos planos que o Governo está a esboçar para a aplicação dos próximos investimentos públicos.
O Conselho de Obras Públicas (COP) dá um parecer negativo ao Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030) que foi aprovado pelo Governo em Janeiro de 2019. A análise que levou mais de um ano a concluir lança várias dúvidas sobre os projectos previstos, conforme avança o Expresso [acesso pago].
Alguns desses projectos fazem parte também do plano esboçado por Costa e Silva para a recuperação do país no âmbito da pandemia de covid-19.
O COP, um órgão que foi criado por António Costa e que é constituído por peritos eleitos pela Assembleia da República, considera que o PNI 2030 inclui poucos projectos que estejam verdadeiramente prontos a arrancar.
Isto é um problema quando a atribuição dos fundos europeus a Portugal, no âmbito do recente acordo “histórico” entre os 27 Estados-membro da UE, exige que a sua execução seja mais eficaz do que vem sendo prática.
O nosso país está obrigado “a executar uma média de 6 mil milhões de euros de subsídios europeus por ano entre 2021 e 2029″, como alerta o Expresso, frisando que Portugal terá, assim, de “mais do que duplicar o ritmo de execução dos fundos europeus para não perder o dinheiro que agora receberá da Europa para recuperar da crise”.
O COP põe em causa a preparação do país para este desafio, criticando “a falta de análises de custo-benefício e de viabilidade financeira, bem como de calendários estabelecidos, fontes de financiamento, modelos de contratação ou mecanismos de acompanhamento definidos”, como cita aquele semanário que teve acesso ao parecer da entidade.
O órgão também vinca que existe “um certo desequilíbrio espacial em favor das duas áreas metropolitanas, em especial da Área Metropolitana de Lisboa, em detrimento do restante território continental”.
Fonte do Gabinete do Primeiro-Ministro salienta ao Expresso que “o que está agora em causa vai para além” do PNI 2030 e que “não é estritamente um plano de infraestruturas”. “É mais do que isso e abrange outras áreas (resiliência à pandemia, adaptação às alterações climáticas, recuperação das empresas, emprego, qualificações, social, etc.)”, destaca esta fonte, notando que “as prioridades vão naturalmente assentar no documento de Costa Silva e têm também de estar alinhadas com as recomendações específicas da Comissão Europeia para Portugal dos últimos anos”.
Fórum para a Competitividade critica plano de Costa e Silva
Mas o plano de recuperação de Costa e Silva merece também críticas, nomeadamente do Fórum para a Competitividade que o classifica como “ultra-intervencionista”.
O plano “parte de um diagnóstico deficiente, o que dificulta uma boa terapia”, considera o boletim divulgado pelo Fórum e citado pela Agência Lusa. É “deficiente ao não identificar a estagnação dos últimos 20 anos e ao supor que problemas ‘estruturais’ se devem a um modelo ultraliberal, que nunca vigorou em Portugal”, considera o documento.
A estratégia é “ultra-intervencionista e também micro-intervencionista”, mas “mesmo assim, muito do texto não está operacionalizado, definem-se objectivos, mas não instrumentos”, critica ainda o Fórum.
Segundo a mesma análise, existe uma “lacuna importante” na área da corrupção, considerando que “não há referências ao risco de corrupção, num programa com este nível elevadíssimo de recursos, administrados com um nível elevado de intervencionismo”.
O plano é “inconsciente das deficiências do Estado, quer ao nível de pensamento estratégico, quer de pessoal qualificado para concretizar, com qualidade, este intervencionismo”, além de se focar “excessivamente” nas estruturas físicas e não nos recursos humanos, analisa também o Fórum.
No documento é ainda apontada a “desvalorização dos incentivos económicos”, referindo que “pode existir tudo o resto”, mas que se o país não for atraente, “não consegue atrair investimentos”.
A análise critica a “desvalorização do IDE [Investimento Directo Estrangeiro]”, defendendo que “para um país tão endividado como Portugal, só atraindo IDE” lhe pode permitir “sair do ciclo de estagnação-contas públicas frágeis-impostos excessivos-estagnação”.
No boletim alerta-se também para a “repetição de investimentos questionáveis, desta feita sob a forma de hidrogénio “verde”, quando não há qualquer margem financeira para isto” e para a desvalorização do “excessivo endividamento nacional”.
Entre os aspectos positivos do plano de Costa e Silva, o Fórum destaca o foco nas empresas, na reforma do Estado e a consciência de alguns riscos para o tecido empresarial.
“Crise ainda vai piorar em Setembro/Outubro”
Em entrevista ao Dinheiro Vivo, Costa e Silva defende a aposta no hidrogénio, considerando que “há um investimento de cerca de 300 mil milhões da UE para este tipo de projectos” e que “é uma das grandes tecnologias de futuro”.
“Se formos a Sines, o hidrogénio já é uma das matérias-primas vitais – para fabricação do amoníaco, de fertilizantes, do metanol, de muitas outras fileiras. Se conseguir ser produzido no país de forma consistente e competitiva, pode expandir-se adequadamente”, diz ainda.
Sobre a execução do seu plano em si, Costa e Silva nota nesta entrevista que Portugal tem “um problema com a administração pública”. “Há áreas que estão muito desenvolvidas, têm qualidade, e outras que deixam muito a desejar”, sublinha, lamentando que uma “fraca administração pública pode pôr em causa o plano de recuperação“.
Costa e Silva também alerta que “a crise que estamos a viver ainda vai piorar a partir de Setembro/Outubro”, evidenciando que “podemos ter uma cascata de falências de empresas que são absolutamente cruciais para o futuro, se elas não forem ajudadas”.
Mas o consultor avisa que é preciso “analisar as empresas que têm rentabilidade, que foram penalizadas pela pandemia e têm carteiras de encomendas que podem medrar” e só essas é que devem “ser ajudadas”, pois “quando reemergirem, evidentemente terão impacto muito grande na economia”.
Costa e Silva defende como prioridades do seu plano “fazer algumas infraestruturas físicas vitais como a rede ferroviária eléctrica nacional”, “apostar nos Portos de Sines e de Leixões e atrair maior volume do tráfego mundial”, aumentar “significativamente a percentagem da população que tem um ensino secundário”, “fazer a transição digital em muitas empresas e ao nível da administração pública”, apostar no Serviço Nacional de Saúde e completar “toda a rede de hospitais programada – apostar não só nos equipamentos mas também na qualificação dos recursos humanos”, e conseguir “tornar o país uma espécie de fábrica da Europa para certos medicamentos e dispositivos médicos de alto valor acrescentado”.
Finalmente, o consultor constata que “este plano não é de ninguém”. “Tem de ser um plano do país”, nota, lamentando que “vivemos num país de muitos eus e pouco nós e a grande transição aqui é também do nosso paradigma cultural, de as empresas colaborarem mais umas com as outras, as universidades colaborarem entre si e com as empresas”.
A nível da política, Costa e Silva constata ainda que os “decisores” devem “conseguir convergir nas grandes linhas de um plano que tem de ser implementado para transformar o país, porque é a vida de todos nós, e sobretudo das novas gerações, que está em causa”.
Fonte: ZAP