Por: Joana Freitas *
Por vezes, dentro de todo o nosso conhecimento histórico, deixamos escapar pequenos fragmentos de enorme interesse. A existência do Couto Misto ou Couto Mixto, em Galego, é um desses pedaços de história partilhados entre Portugal e Espanha que a maioria desconhece na totalidade.
Na fronteira Norte de Portugal e Espanha existiu durante séculos um pequeno território com cerca de 27 quilômetros quadrados que se regia por leis próprias e não prestava vassalagem a nenhuma das duas coroas.
A origem deste território independente não é muito clara, sendo certo que se formou no século 12 e existindo documentos escritos datados de 1147. Contudo, a sua origem é possivelmente localizada numa data anterior, provavelmente contemporânea da independência da coroa de Portugal face ao Reino de Leão.
Esta teoria é extremamente plausível uma vez que, aquando do nascimento do novo reino as fronteiras de jurisdição encontram-se pouco claras, muitas vezes deixando os territórios de fronteira numa situação administrativa e política um pouco dúbia.
Viver neste território trazia uma série de regalias. Primeiramente, todos os habitantes podiam escolher entre ser portugueses ou espanhóis, ter dupla nacionalidade ou simplesmente não ter nenhuma.
Dessa forma, não eram obrigados a prestar serviço militar ou servir nas guerras quando chamados. Outra regalia recaía sobre o pagamento de impostos. Como não respondiam a nenhuma das Casas Reais, simplesmente muitos dos impostos não eram cobrados, estando os seus habitantes isentos.
As leis eram feitas espelhando a necessidade dos seus habitantes e, muitas das vezes, eram curiosas. Uma delas dizia respeito ao Caminho do Privilégio, caminho que atravessava e ligava três localidades (Rubiás, Meaus e Santiago) a Tourém.
Aqui, qualquer um podia realizar a travessia sem que as autoridades pudessem prender ou perseguir, ainda que se transportasse contrabando, particularmente tabaco, sal, bacalhau e medicamentos.
As regras para quem procurava asilo também eram claras: mesmo que fossem criminosos procurados pela justiça de qualquer um dos dois países, estes não podiam ser presos ou privados dos seus direitos e riquezas dentro do Couto.
A governação deste território era muito democrática. A autoridade máxima tinha representação num juiz elegido pelas cabeças de família. Este, por sua vez, elegia dois homens da sua confiança para cada uma das localidades do Couto Misto, mas, todas as decisões eram tomadas em praça pública pelos moradores. É ainda de fazer nota que os poderes concedidos a estes juízes eram facilmente revogados se fossem detectados incumprimentos e desvios durante as suas funções.
Esta forma de estar e de governar começou a provocar alguma oposição principalmente por parte das famílias mais poderosas dos dois países, sendo que, há sensivelmente 157 anos, foi colocado um ponto final nas liberdades deste território e as suas terras foram divididas pelos dois países.
Foi 29 de Setembro de 1864, no celebrado Tratado de Lisboa, que se ditou o destino destas terras e foi traçada a fronteira definitiva: Rubiás, Meaus e Santiago ficariam para Espanha, e uma faixa desabitada que integrava o Couto seria portuguesa assim como as povoações próximas de Soutelinho, Lamadarcos e Cambedo.
Joana Freitas é formada em história na vertente de arqueologia pela faculdade de letras da Universidade do Porto e tem por áreas de maior interesse a evolução humana e a pré-história. Fora do campo de formação tem como disciplinas preferidas a antropologia e a paleontologia que no fundo complementam a sua formação de base.
* Tema da coluna da Paivense Joana Freitas no maior canal de história do Brasil