O Ministério Público acusou Ricardo Salgado e Amílcar Pires de elaborarem uma estratégia, que passou pela criação de cinco sociedades para comprar ativos da ESCOM e assim resolver o problema da dívida ao BESA, com crédito dado pelo banco angolano.
Na acusação, a que a Lusa teve acesso, o Ministério Público (MP) descreveu como, confrontados com um aperto de regulação do Banco de Portugal (BdP) e com as consequências de uma linha de apoio do Banco Nacional de Angola (BNA), de cerca de 570 milhões de euros, ao BESA (BES Angola) e cujo atraso no cumprimento de créditos devidos à entidade, iria implicar uma provisão nas contas que apontaria para a verdadeira situação da ESCOM, o antigo presidente da Comissão Executiva (CE) do BES, Ricardo Salgado, o administrador do banco, Amílcar Pires e ainda Rui Guerra, da CE do BESA, terão arquitetado a criação de cinco sociedades através das quais foram comprados ativos da ESCOM.
“Estes imóveis haviam sido avaliados pelas sociedades angolanas PROPRIME, ZENKY e ABACUS, entre 350 e 380 milhões de USD [306 e 333 milhões de euros]. Parte destes projetos imobiliários não estavam concluídos”, lê-se na acusação. Os ativos incluíam imóveis pertencentes à sociedade angolana, detida pelo Grupo Espírito Santo (GES) e pelo empresário Hélder Bataglia, como por exemplo o emblemático edifício ESCOM, em Luanda.
Além dos dois gestores, segundo o MP, estiveram envolvidos neste processo o contabilista Francisco Machado da Cruz, a administradora Isabel Almeida (ambos acusados) e José Castella, entretanto falecido.
Os acusados, alega o MP, levaram a cabo as ações para a “criação de cinco entidades veículo que estariam associadas à compra de toda a promoção imobiliária da ESCOM BV em Angola, com recurso a financiamento do BESA”, o que permitia “à ESCOM, com o encaixe da venda desses bens, amortizar a dívida contraída junto do BESA, mitigando as contingências relacionadas com os ‘grandes riscos do grupo BES’ àquela empresa” e que estavam a ser escrutinados pelo BdP.
O Ministério Público alega ainda que, nesta altura, em 2013, cerca de um ano antes da derrocada do GES, a sociedade de advogados Abreu & Associados foi contratada por Rui Guerra, para apoiar na criação destas sociedades, chamadas Schemata, Prismódico, Enignimob, Urbanlab e Casota, sendo fundamental que não fossem ligadas ao GES.
“A diminuição do endividamento do grupo ESCOM ao BESA foi inversamente proporcional ao aumento de dívida das cinco sociedades imobiliárias em questão, com destaque para a Enignimob e a Prismódico, cuja expressividade dos valores foi refletida nos mapas de grandes riscos que refletiam a exposição do BESA ao BES naquele período”, destacou o MP.
“A concessão de financiamentos pelo BESA, às cinco entidades, sustentou-se no argumentário de que as sociedades a financiar eram conhecidas do banco, tinham avaliações positivas do risco, e um volume de negócios elevado, demonstrador de uma capacidade de fazerem face ao serviço de dívida”, lê-se no documento.
Foram depois, segundo a acusação, redigidos contratos de vendas das cinco sociedades, à Tecnovia Angola, Rubra e Nuvicapital.
“No dia 26.11.2013, José Castella transmitiu por carta ao BdP que a redução de exposição de entidades do grupo ESFG ao grupo ESCOM resultara da aplicação do produto da venda de ativos imobiliários promovida pela ESCOM BV”, segundo o MP, que sublinhou em seguida que o administrador do BES omitiu ao regulador que “a venda desses ativos era feita a entidades criadas pelo GES, financiadas pelo BESA”.
Esta dívida mantinha-se por saldar, indicou o MP, à data da resolução do BESA pelo BNA.
O MP contabilizou, mais à frente, que o crédito concedido BES às empresas do grupo ESCOM BV “cifrava-se, em 30 de junho de 2014, em 181.861.000 euros, o que determinou a constituição de uma provisão do mesmo valor nas contas do banco, representativa do prejuízo dos atos executados por Ricardo Salgado”, alega a acusação.
O ex-presidente do BES Ricardo Salgado foi na terça-feira acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal, no processo BES/GES.
Segundo a acusação Salgado foi acusado de um crime de associação criminosa, em coautoria com outros 11 arguidos, incluindo Amílcar Pires e Isabel Almeida.
Está também acusado da autoria de 12 crimes de corrupção ativa no setor privado e de 29 crimes de burla qualificada, em coautoria com outros arguidos, entre os quais José Manuel Espírito Santo e Francisco Machado da Cruz.
A defesa de Ricardo Salgado considera que a acusação “falsifica” a história do BES sublinhando que o antigo banqueiro “não praticou qualquer crime”, refere um comunicado assinado pelos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce.
Fonte: ZAP