Desde 1999, altura em que fecharam as minas de urânio da Urgeiriça, que o Governo mantém fechados num armazém um stock de quase 200 toneladas de concentrado de urânio.
A Empresa de Desenvolvimento Mineiros, a quem pertence o ativo, está a avaliar a hipótese de o vender em mercado, uma notícia que seria recebida “com muito bom grado” pelos antigos trabalhadores das Minas da Urgeiriça que, segundo o Público, consideram que esse é um ponto fundamental “para virar a página nesta terra”.
António Minhoto, da Associação dos Antigos Trabalhadores das Minas da Urgeiriça (ATMU), disse que “não faz sentido lutar para descontaminar estes territórios e continuar com um monte de barris com urânio em armazém”.
“Bem sabemos que não são perigosos, e trazem menos radiação do que as casas em que vivemos, mas isso não é o que eu chamo de virar a página”, diz António Minhoto.
Os barris de concentrado de urânio estão empilhados numas instalações que pertencem à Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), em Nelas, no distrito de Viseu e quase passam despercebidas. Não há aparato nenhum de segurança, mesmo sendo aquele um material que exige sinalização evidente e manipulação prudente. A verdade é que ninguém mexe nos barris.
Para se transformar em urânio enriquecido, e com isso produzir energia ou armas nucleares, é preciso colocá-los em reatores primeiro. Ainda assim, tal material em mãos mal intencionadas causaria danos gigantescos na segurança e na saúde pública.
De acordo com o Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE), a EDM está atualmente a avaliar as condições de mercado para vender este concentrado de urânio. Fonte oficial do gabinete de João Pedro Matos Fernandes lembra que é um produto com “especificidades”, “sujeito a regras e controlos formais de comercialização, e que não é objeto de cotações internacionais”.
A última vez que foi feito o esforço de avaliação, pelo Revisor Oficial de Contas da EDM, a 27 de dezembro de 2012, a contabilização deste stock nos ativos atingiu os 13,7 milhões de euros.
Até lá, os barris de urânio vão-se mantendo à guarda da EDM, sem que o referido stock represente “risco para a saúde pública”. Tanto a Comunidade Europeia de Energia Atómica (Euroatom), como a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), as entidades que procedem anualmente a inspeções ao local, dizem que está “armazenado em adequadas condições de segurança, preservação e acondicionamento”.
Interessados em material radioativo
Carlos Caxaria, ex-presidente da EDM e também da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), refere que há sempre mercado para matéria-prima deste tipo, mas que é do interesse da empresa pública não vender o material a qualquer preço.
“Há uma referência que deve ser tida em conta. Se o ativo está contabilizado em 13,7 milhões de euros, resiste-se a tomar a decisão de vender o concentrado abaixo desse valor e assumir perdas”, explicou Caxaria.
Caxaria confirmou que durante o seu mandato não chegou a fazer nenhuma proposta concreta à tutela para vender o material, apesar de ter estudado soluções. Uma passava por atribuir a gestão e alienação deste concentrado a uma empresa francesa especializada na armazenagem deste tipo de material.
“A empresa assumiria a guarda e segurança dos barris e iria colocar a matéria-prima no mercado assim que este pagasse um valor previamente definido. Mas a operação de transferência e transporte dos barris para França acabava por se tornar tão complexa e dispendiosa que acabamos por não chegar a propor nada à tutela”, recorda.
Na região não falta quem diga que é preciso vender o urânio, porque é à falta de dinheiro que são atribuídos os atrasos nos trabalhos de recuperação urbanística e ambiental das áreas mineiras abandonadas.
A Urgeiriça chegou a ser considerada um dos mais importantes jazigos de minérios radioativos da Europa. A exploração, conduzida através de galerias, assumiu, a partir da década de 70, a técnica de lixiviação de antigos desmontes, que deixou fortes impactos em termos ambientais.
Já foram investidos mais de 33 milhões de euros para fazer a inundação controlada da mina, a recuperação e selagem das barragens de rejeitados e das escombreiras, e a recuperação ambiental e paisagística das áreas afectas à exploração mineira, transformando uma área contaminada num parque de lazer.
Ainda está muito atrasada a obra de recuperação das casas dos mineiros, depois de ter ficado comprovado haver teores de radioatividade superiores ao tolerável pela lei. “Se chegarem a vender o urânio, vamo-nos bater para que a receita apurada seja investida aqui”, diz Minhoto.
O levantamento dos atrasos foi feito no início de setembro aos deputados da Comissão do Ambiente da Assembleia da República. Estão identificadas 70 casas para recuperar e a intervenção está planeada por fases. A primeira fase, com 40 casas, deveria estar pronta no final do primeiro semestre de 2019. Até agora só houve intervenção em seis casas.
Fonte: ZAP