Um estudo divulgado sexta-feira sugere que os antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina podem aumentar o risco de morte e arritmias em doentes hospitalizados com covid-19, defendendo que o seu uso como antivirais deve ser devidamente testado antes de tratar pacientes.
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na segunda-feira que estava a tomar, a título preventivo, hidroxicloroquina, apesar de a agência norte-americana do medicamento ter desaconselhado a utilização destes fármacos “fora do meio hospitalar ou de ensaios clínicos, devido ao risco de complicações cardíacas”.
O estudo, divulgado pela revista médica britânica The Lancet, baseou-se na observação de dados de 14.888 doentes hospitalizados com covid-19 (infeção respiratória viral) que foram tratados com um ou ambos os medicamentos para a malária, combinados ou não com a administração dos antibióticos azitromicina e claritromicina, utilizados no tratamento de infeções pulmonares bacterianas.
Os dados foram comparados com os de 81.144 doentes com covid-19 que foram igualmente hospitalizados, mas sem receber tratamento com estes medicamentos.
Os doentes que foram alvo do estudo — ao todo 96.032 — estiveram internados em 671 hospitais entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020. Todos estavam infetados pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 e, à data de 21 de abril, tiveram alta hospitalar ou morreram.
No grupo de controlo, o dos 81.144 doentes que não receberam tratamento com antimaláricos, um em cada 11 morreu no hospital. Em média, quase um em cada seis doentes medicados com um dos antimaláricos morreu.
Segundo o estudo, mais de um em cada cinco doentes tratados com cloroquina e um antibiótico (azitromicina ou claritromicina) morreu e quase um em cada quatro doentes morreu quando medicado com hidroxicloroquina em combinação com um dos antibióticos.
Apesar dos dados, os autores do estudo ressalvam que poderá haver outros fatores, não avaliados, na origem da possível ligação entre o tratamento de doentes com covid-19 com medicamentos para a malária e uma diminuição da sua sobrevivência.
Neste contexto, pedem para que sejam realizados com urgência ensaios clínicos aleatórios para aferir a eficácia e segurança do uso destes fármacos como antivirais antes de serem administrados a doentes com covid-19.
“Ensaios clínicos aleatórios são essenciais para confirmar danos ou benefícios associados a estes agentes. Até lá, propomos que estes medicamentos não sejam usados como tratamentos para a covid-19 fora dos ensaios clínicos”, afirmou, citado em comunicado, o primeiro autor do estudo, Mandeep R. Mehra, médico e diretor-executivo do Centro para a Doença Avançada do Coração no Hospital Brigham, nos Estados Unidos.
O estudo concluiu, ainda, que 8% dos doentes medicados com hidroxicloroquina e um antibiótico (azitromicina ou claritromicina) desenvolveram arritmia (alteração no ritmo cardíaco), por comparação com 0,3% dos doentes do grupo de controlo (sem qualquer medicação antimalárica).
Os autores advertem que não é possível inferir uma relação de causa e efeito entre o tratamento de doentes com covid-19 com medicamentos para a malária e o aparecimento de arritmias, uma vez que não foram avaliados outros fatores, e insistem para que se façam ensaios clínicos robustos, apesar dos efeitos antivirais dos fármacos cloroquina e hidroxicloroquina demonstrados em testes laboratoriais anteriores.
Em Portugal, o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos aprovados para a malária, está autorizado para o tratamento de doentes com covid-19 internados nos hospitais que manifestem, por exemplo, insuficiência respiratória e pneumonia.
A nível global, a pandemia de covid-19 já provocou quase 330 mil mortos e infetou mais de 5,1 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Mais de 1,9 milhões de doentes foram considerados curados. Em Portugal, morreram 1.289 pessoas das 30.200 confirmadas como infetadas, e há 7.590 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde. A covid-19, doença respiratória aguda, é causada por um novo coronavírus (tipo de vírus) detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.