O belga Steven Braekeveldt, que lidera a Ageas Portugal, já foi apanhador de fruta, muito antes de se afirmar no sector financeiro e dos Seguros. Não estranha, por isso, que ele aponte que prefere “contratar alguém que sabe muito bem ‘roubar maçãs se tiver fome’ do que alguém muito inteligente”.
O CEO do Grupo Ageas Portugal, o grupo dos seguros Ageas, Médis, Ocidental e Seguro Directo, desafiado pelo Expresso a abordar a sua experiência como gestor, começa por apontar que uma entrevista de trabalho consigo pode ser um momento desestabilizador para os candidatos ao emprego.
Aparecerem “com a entrevista preparada” não serve de nada porque, “passado cinco minutos, já não podem ser mais nada do que espontâneas”, nota Steven Braekeveldt, salientando que pergunta “sobre tudo: sobre os sapatos, as calças, os livros“. “E é tudo muito rápido de modo a conseguir ver a matéria-prima que tenho à minha frente e aí perceber se a pessoa tem ‘fome’”, constata.
“Prefiro contratar alguém que sabe muito bem ‘roubar maçãs se tiver fome’ do que alguém muito inteligente”, atira o homem que já teve vários empregos ao longo da vida, incluindo como apanhador de fruta.
“Sei que as pessoas vêm ter comigo porque têm um curso, mas, honestamente, eu não pergunto nada sobre isso”, acrescenta na conversa com o Expresso. “Os cursos atestam competências de dedução analítica e padrões de pensamento lógico, mas nada dizem sobre se ‘roubaria maçãs se tivesse fome’”, reforça Braekeveldt. “Estas é que são as pessoas que eu quero”, conclui.
No currículo, o CEO da Ageas Portugal, que tem formação superior nas áreas do Direito e da Economia, tem uma carreira internacional no sector financeiro, na Banca e nos Seguros, com passagens por Hong Kong e Singapura. Actualmente, é CEO da Ageas Europa Continental, além de CEO do Grupo Ageas Portugal.
No Expresso, Steven Braekeveldt dá dicas daquilo que procura nos potenciais candidatos a emprego, frisando a importância da “curiosidade natural”, seja por “heavy-metal, ballet, Chopin, literatura, arqueologia, antropologia, história, o que for”. “Se não tiver um interesse natural por tudo, então não terá interesse no seu trabalho”, considera.
O CEO realça também a relevância de os trabalhadores quererem “ir além dos limites, descobrir o que é ou não possível”, como factores que valoriza.
“Talento é como óleo numa garrafa de água”
Em jeito de conselho, Braekeveldt recomenda aos jovens estudantes portugueses para só ficarem “satisfeitos se falarem cinco línguas“.
Também aponta a quem fica desempregado para arranjar um trabalho o mais depressa possível, mesmo que seja a “trabalhar numa quinta, lavar pratos, qualquer coisa”. “Nunca estaria sem emprego”, nota, frisando que “através da inteligência, começaria imediatamente a tentar resolver ineficiências na quinta, no restaurante”, e, assim, a “subir, subir, subir”.
Para aqueles que não conseguem arranjar emprego, Braekeveldt recomenda a que emigrem. “É uma questão de atitude”, refere. “Se não há nada, vai-se para fora, muda-se de país”, aponta, frisando que na Bélgica “há 50 mil postos de trabalho disponíveis que não conseguem ser preenchidos”.
O CEO dá o exemplo dos portugueses que, ao longo da história, sempre tiveram que emigrar, em busca de melhores condições de vida, com “gerações de pessoas que emigravam”. “Agora o que importa é o conforto, ficar em casa dos pais até aos 30 porque não têm de lavar a roupa, nem a loiça, nem a comida”, critica.
Braekeveldt deixa também conselhos aos mais velhos, a pessoas com mais de 50 anos que, ficando no desemprego, têm alguma relutância em agarrarem empregos não qualificados e com salários inferiores aos que tinham. “Eu não recusaria nada”, sustenta o CEO da Ageas. “Se aceitar um emprego abaixo do seu nível, e se for inteligente e tiver o conhecimento, então fará muito mais do que lhe é pedido porque usará toda a sua experiência de 30 anos”, sublinha, concluindo que “começará a influenciar as pessoas e a subir através do seu talento”.
“O talento é como o óleo numa garrafa de água. Põe-se o óleo numa garrafa de água e depois agita-se. Todas as carreiras podem sofrer um revés, mas o talento acaba sempre por vir ao de cima”, conclui o CEO.
Num conselho às empresas, Braekeveldt alerta que “deve-se falhar depressa”. “Trabalhar muito, falhar depressa” e “mudar para outra coisa diferente”. “Até podem ter uma boa ideia, mas se falhar, parem”, recomenda.
“Irrita-me quando não respondem aos e-mails”
Distinguido com o prémio Líder Inspirador 2019, pelo Observatório de Comunicação Interna e Identidade Corporativa, e como CEO Comunicador do Ano, pela Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa, Braekeveldt conta ao Expresso que chega ao trabalho por volta das 7:30 da manhã e que só chega a casa pelas 10:30 da noite.
Apesar disso, ainda tem tempo para “preparar reuniões agendadas para o dia seguinte bem cedo ou para ler um livro”.
“Tenho sempre tempo para todos”, diz ainda, assumindo que tem “uma estrita disciplina quanto a chamadas e e-mails”. “Se os e-mails vêm endereçados a mim é porque têm mesmo de me ser endereçados”, nota, frisando que não precisa de “saber que as pessoas trabalham”. “Eu tenho a certeza que todos trabalham arduamente e confio plenamente que dão o seu melhor”.
E quando recebe e-mails, é certo que responde a todos “em algumas horas ou, pelo menos, antes da meia noite”. “Irrita-me quando não respondem aos e-mails com a desculpa de que recebem demasiados e-mails”, sustenta, constatando que “isso deve-se apenas a falta de delegação, estrutura e disciplina“.
“Às vezes dizem-me que trabalho muito, mas nunca tive essa sensação porque me divirto bastante. Amo o que faço, caso contrário não o faria”, conclui o CEO da Ageas.
SV, ZAP //
Fonte: ZAP