O Bloco de Esquerda assumiu uma posição dura na reacção à proposta de Orçamento de Estado do Governo para 2021, ameaçando claramente chumbá-la devido a divergências de fundo. Posição que leva o Governo a admitir negociações com as deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Porque todos os votos contam.
“Não são diferenças de detalhe, são diferenças do centro da resposta à crise“. Foi desta forma que Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda (BE), assumiu as divergências claras com o Governo no que concerne à proposta de Orçamento de Estado para 2021 (OE2021).
Foi uma ameaça clara de voto contra, numa postura que não se tinha ainda visto ao BE desde os tempos da geringonça.
Mariana Mortágua destruiu várias das medidas incluídas pelo Governo no OE2021, algumas delas por exigência dos bloquistas, dando claros sinais de que o Bloco pode chumbar o documento.
Neste momento, as conversações entre Governo e Bloco estão estagnadas depois de ambas as partes se acusarem “mutuamente de ter encerrado unilateralmente a conversa”, como destaca o Diário de Notícias (DN).
O BE “não se pode comportar como se fosse o maior partido”, critica uma fonte do Governo ouvida por este jornal, apontando que o Executivo fez um esforço para incluir várias propostas dos bloquistas no OE2021.
“Negociar é ir ao encontro de. O Bloco não está a ir ao encontro de”, destaca ainda a mesma fonte.
No meio deste impasse, o PCP admite todos os cenários, manifestando uma postura mais aberta a um sim e um discurso bem menos bélico do que o do Bloco, ao contrário do que seria de esperar.
Com o PAN e Os Verdes a manifestarem também reservas e com o PSD sem se pronunciar, o Governo faz contas à vida e “até admite conversar com as duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN), quando a proposta chegar à fase da especialidade”, como vinca o DN.
O PS tem 108 votos num total de 230 deputados. Assim, há vários cenários possíveis para a aprovação do documento.
Certo é que a proposta que foi entregue no Parlamento já não pode ser alterada até à votação na generalidade que está marcada para o dia 28 de Outubro.
Assim, para que o Bloco passe o OE2021, será necessário um acordo extra-Orçamento entre o Governo e os bloquistas, uma espécie de “contrato” escrito com o Executivo a comprometer-se perante as exigências bloquistas.
Essas possíveis reivindicações bloquistas serão para afinar no debate na especialidade que vai arrancar a 29 de Outubro.
O Bloco já anunciou que vai decidir o seu sentido de voto no próximo dia 25 de Outubro, quando a Mesa Nacional do partido voltar a reunir-se, isto é, três dias antes da votação na generalidade.
Até essa altura, o BE “não fecha portas à negociação”, aponta o partido num comunicado, salientando a importâncias das suas propostas “para travar a vaga de despedimentos, apoiar as vítimas da crise evitando que fiquem em situação de pobreza, reforçar efectivamente o Serviço Nacional de Saúde e impedir nova injecção pública no Novo Banco”.
A votação final do OE2021 deverá acontecer a 26 de Novembro.
As divergências entre Bloco e Governo
Não há grandes novidades naquilo que divide BE e Governo – é uma velha história que se repete, apesar da aproximação do Executivo às exigências dos bloquistas no OE2021. Ainda assim, não chegou para convencer o partido de Catarina Martins.
Entre os pontos da discórdia estão as medidas tomadas para travar os despedimentos das empresas, incluindo a impossibilidade de aceder aos vários apoios do Estado para as que dispensem trabalhadores.
O Bloco quer uma medida mais abrangente que tenha em conta os lucros de 2020 e de 2019 para incluir mais empresas no pacote. Além disso, lamenta que a medida do Governo não inclui todos os apoios do Estado, nem todos os trabalhadores, nomeadamente os precários.
Outro ponto de discórdia é o novo apoio social para quem não tem rendimentos com valores entre os 50 e os 501 euros, para pessoas desempregadas e sem protecção social, incluindo trabalhadores dependentes, independentes e domésticos.
Esta nova prestação foi ideia do Bloco e consta do OE2021, mas não nos moldes em que o partido desejaria. Os bloquistas querem que a condição de recursos que é necessária para aceder ao apoio seja menos restritiva, para abranger mais pessoas, pretendendo ainda aumentar o valor mínimo da prestação para quatro vezes mais.
Por outro lado, o BE considera que é preciso rever a forma como os menores do agregado familiar entram nos cálculos da prestação.
A contratação de mais profissionais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é outra divergência, depois de o Governo se ter comprometido a contratar 8.400 profissionais. Contudo, acabou por contratar e a prazo apenas enfermeiros e assistentes operacionais no âmbito da pandemia.
No OE2021, o Governo avança a promessa de contratar 4.200 profissionais, mas os bloquistas consideram que o Executivo ainda não está a acautelar devidamente as necessidades do SNS.
O Novo Banco é o último ponto de discórdia devido à solução encontrada pelo Governo para não incluir as transferências para a instituição financeira no OE2021, como era pretensão dos bloquistas.
O Executivo avançou com a ideia de criar um sindicato bancário para emprestar ao Fundo de Resolução de modo a que este financie o Novo Banco. Trata-se de um “truque contabilístico”, segundo o BE, que alerta que a verba irá agravar o défice de 2021.
Os bloquistas querem que o empréstimo seja feito directamente ao Novo Banco, enquanto o PS alega que isso violaria o acordo de venda.
Além disso, o Bloco continua a defender que a futura auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco seja condição prévia para qualquer injecção na instituição, algo que os socialistas contestam.
Fonte: ZAP