Um novo estudo aponta que os primeiros cães das Américas não evoluíram a partir de lobos norte-americanos, como se especulava. Segundo a pesquisa, os animais terão seguido os humanos durante movimentos migratórios entre o norte da Ásia e a América.
A relação de amizade e dependência entre cães e homens remonta à pré-história, onde a aproximação de um animal que procurava restos de comida tinha interesse, pois podia significar proteção.
Portanto, é natural que, com a chegada dos primeiros seres humanos à América, há pelo menos 16 mil anos atrás, os cães também viessem para o continente. Mas, registos paleontológicos mostram que os primeiros cães a pisar o solo americano vieram apenas há cerca de 10 mil anos atrás.
Com base em informações genéticas de 71 restos de ossadas de cães da América do Norte e da Sibéria, uma equipa de cientistas concluiu que o cão “nativo” da América, que existia antes do contacto com o europeu, tinha um genoma completamente diferente dos lobos norte-americanos ou mesmo de outras linhagens de canídeos.
A pesquisa, publicada na revista Science esta quinta-feira, mostra ainda que o ADN deste ancestral praticamente desapareceu, quando comparado com outras espécies contemporâneas.
Acredita-se que os europeus tenham trazido as suas raças de cães e, ao menosprezar o cão nativo da América, acabaram por fazer com que a reprodução fosse evitada ou até mesmo combatida. A raça do cão americano acabou assim por ser extinta.
Uma outra hipótese sugere que os cães americanos não tenham sobrevivido às pestes trazidas pelos Europeus e pelos seus cães. Assim como muitos índios morreram por doenças desconhecidas no sistema imunológico, um fenómeno semelhante pode ter acontecido no mundo animal.
“Os estudos de ADN sugerem que a população de cães americanos anteriores à chegada dos europeus foi ampla e rapidamente substituída“, afirma a pesquisadora Máire Ní Leathlobhair, do departamento de Medicina Veterinária da Universidade de Cambridge.
“Dados obtidos através da análise genética mostram que os cães contemporâneos são de um grupo filogenético diferente dos cães anteriores ao contacto com os europeus.”
Apesar de muito pouco ter restado destes animais nativos, a pesquisa aponta outra descoberta: o cancro conhecido há centenas de anos e que ainda hoje afeta populações caninas em todo o mundo, pode ser o elo perdido para conectar os animais atuais com os cães ancestrais.
Trata-se do tumor venéreo canino transmissível. É uma neoplasia exclusiva dos cães, o mais comum tumor genital entre estes animais – ocorre mais frequentemente em zonas de clima temperado, mas está presente em todos os continentes.
“Este cancro, contagioso, manifesta-se através de tumores genitais. E espalha-se entre os animais por transferência de células cancerígenas vivas, geralmente durante a cópula”, explica a veterinária Ní Leathlobhair.
Essa doença foi documentada por veterinários há centenas de anos, mas, de acordo com o novo estudo, pode ter surgido, na verdade, há muito mais tempo – há 8,2 mil anos.
O levantamento genético concluiu que a doença não surgiu em solo americano. Veio de uma matriz comum, ou seja, o ancestral asiático siberiano deu origem ao cão nativo americano. Mas, segundo as análises realizadas, a doença originou-se justamente no lado que “ficou” na Ásia e, de lá, espalhou-se por todo o mundo, incluindo a Europa.
Por isso, quando chegaram à América, os cães europeus traziam uma doença que os cães americanos já tinham – pois ambos a “receberam” de um antepassado comum.
“É incrível pensar que, possivelmente, o único sobrevivente de uma linhagem perdida de cães seja um tumor que pode espalhar-se entre os cães como uma infeção”, explicou Ní Leathlobhair.
Além disso, alguns cientistas acreditam que certas tonalidades de pelo dos lobos norte-americanos sejam resultado do cruzamento, em tempos antigos, de lobos com cães nativos.
“Este estudo demonstra que a história dos seres humanos é espelhada nos nossos animais domésticos”, diz o autor principal do estudo, Greger Larson, da Universidade de Oxford. “As pessoas da Europa e das Américas eram geneticamente distintas e seus cães também”, concluiu.
A equipa internacional de pesquisa foi liderada por investigadores da Universidade de Oxford, Universidade de Cambridge, Universidade Queen Mary de Londres e Universidade de Durham.
Apesar de coincidir com o período de colonização, ainda não é certo o que terá levado à extinção desta espécie antiga de animais. Mais pesquisas genéticas e arqueológicas podem ajudar a desvendar este mistério no futuro.