O papagaio-comum está para as outras aves assim como o ser humano está para os demais primatas: vive mais e é mais inteligente.
Isto pode ser evidente a “olho nu”, mas até agora não se conhecia a base genética que sustenta a sua inteligência, longevidade e capacidade de imitar sons e voz.
Agora, um consórcio de investigadores de 11 instituições brasileiras e norte-americanas sequenciou o genoma da espécie e descobriu novos genes e interações entre outros, responsáveis por estas características.
O sequenciamento foi resultado de um projeto chamado Sisbio-Aves, financiado desde 2012 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“O programa surgiu para ajudar a caracterizar a biodiversidade da avifauna do país”, disse o investigador brasileiro Claudio Mello, do Departamento de Neurociência Comportamental da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos EUA. “A ideia era sequenciar os genomas de várias aves do Brasil, com o intuito de desvendar o genoma e tentar ajudar a explicar as suas características.”
Segundo Patrícia Schneider, da Universidade Federal do Pará, o foco do Sisbio-Aves é em espécies que ajudem a responder questões centrais sobre filogenia, evolução, genética de populações, neurociência e comportamento.
Outro integrante do consórcio, Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cita mais um objetivo do sequenciamento do ADN do papagaio-comum. “Queríamos ter o mapa dos genes desta espécie e identificar diferenças na evolução, que possam nos dar dicas de como funciona o cérebro – incluindo o humano – e também os genes possivelmente associados à longevidade.”
Assim como a maioria dos vertebrados, o papagaio tem cerca de 25 mil genes. Em alguns aspetos cognitivos, esta espécie supera até mesmo primatas – com exceção do humano.
“O exemplo mais marcante é o que se chama ‘permanência do objeto’, que é a capacidade do animal saber que algo apresentado ainda está presente, mesmo que escondido”, diz Mello. “É o jogo em que se coloca alguma coisa debaixo de uma caixa e o animal sabe onde está escondida. Papagaios conseguem resolver o problema, mas outros animais, inclusive macacos, têm mais dificuldade assim que perdem o objeto de vista.”
Para este trabalho, o espécime que forneceu amostras de ADN foi um papagaio chamado Moisés, nascido no início dos anos 2000. Ele pertencia a um biólogo e hoje vive na casa de uma veterinária, na cidade de Pitangui, a 127 quilómetros de Belo Horizonte.
“Comparando a genomas de outros papagaios e de aves diversas, além do humano, conseguimos identificar genes com diferenças marcantes e que indicam funções importantes na longevidade e nos processos cognitivos, relacionados à aprendizagem vocal da espécie sequenciada”, diz Santos.
De acordo com Schneider, o sequenciamento identificou cerca de quatro mil genes e mostrou as semelhantes do papagaio com outras aves, mas também o que tem de diferente. “Esta busca culminou na identificação de modificações no genoma, ou seja, mutações em certos genes e também a identificação de outros exclusivos de papagaios”.
Mello dá mais detalhes sobre as descobertas, classificando-as em três principais achados. “Descobrimos alguns genes parálogos (gene duplicado numa determinada espécie ou grupo), que parecem ser específicos dos papagaios”, conta. “Um deles é o chamado PLXNC1, que está envolvido na formação de conexões neurais, ou seja, como uma área do cérebro se liga a outras para formar circuitos neurais.”
De acordo com o investigador, já se sabia que esse gene tem uma regulação diferenciada na área vocal das aves e no córtex laríngeo em humano – parece estar envolvido em regular circuitos da fala nas pessoas e do canto nos pássaros. “O facto de estar duplicado parcialmente indica que há uma regulação aumentada, o que pode explicar a maior capacidade vocal“, diz Mello.
Uma segunda descoberta se refere à longevidade. Papagaios e algumas outras aves vivem bem mais do que seria esperado pelo peso corporal. A expectativa de vida do papagaio é 2,5 a 3 vezes maior do que deveria ser – equivaleria a um ser humano viver entre 150 e 200 anos.
“Descobrimos que algumas outras aves, em comparação com as que vivem menos, têm modificações em vários genes que controlam processos como envelhecimento e proliferação celular, reparo de danos ao ADN, origem de tumores, mecanismos de proteção ao stress oxidativo e resposta imune”, diz Mello.
A terceira descoberta trata de modificações em regiões regulatórias de vários genes que controlam o crescimento do cérebro e capacidades cognitivas. São semelhantes às que ocorreram no ser humano e que distinguem o homem de outros primatas, que têm um cérebro menor e menos capacidade cognitivas.
“Isto mostra que alguns mecanismos que levaram a um maior crescimento do cérebro e inteligência em humanos também devem ter atuado para fazer o mesmo nos papagaios”, explica Mello. “Consideramos os papagaios como as aves mais inteligentes, e, neste sentido, são como os humanos em relação aos outros primatas.”