O Banco de Portugal publicou esta terça-feira um resumo do relatório extraordinário sobre as instituições de crédito que tiveram ajudas de Estado à sua recapitalização nos últimos 12 anos. Deste não consta qualquer lista de devedores, remetendo essa informação apenas para a Assembleia da República.
Segundo noticiou o Público, o Banco de Portugal (BdP) entregou o relatório total, com 34 páginas, na passada quinta-feira e foi instado pelo Parlamento a publicar os dados que considerava poderem ser do conhecimento público. Assim o fez, mas deixou de fora toda a informação relevante sobre devedores.
No preâmbulo que acompanha a divulgação do resumo do relatório, o supervisor expressa a sua preocupação com o facto de a informação sobre devedores ser do conhecimento alargado do público.
“O tratamento da informação reportada requer, no entender do Banco de Portugal, um dever de reserva especial, que salvaguarde firmemente o segredo a que essa informação está sujeita, de modo a não prejudicar as instituições de crédito, as empresas e a economia”, lê-se.
Este relatório extraordinário deveria conter a lista das principais posições financeiras dos bancos nos últimos 12 anos, incluindo todas as operações de valor “superior a 5 milhões de euros desde que igual ou superior a 1% do valor total dos fundos públicos mobilizados para essa instituição”. Mas a informação que é considerada relevante pela lei que entrou em janeiro não é divulgada: valores das dívidas e de o que está por pagar.
De acordo com um artigo do Expresso, não há um único número, nem individualizado por banco nem agregado por todos os bancos, sobre as grandes dívidas às instituições financeiras. Os números que surgem são sobre os auxílios estatais recebidos – informação já pública anteriormente.
O BdP foi obrigado, pela lei em vigor desde o início do ano, a realizar um relatório extraordinário sobre as dívidas dos bancos que foram ajudados. A informação refere-se aos bancos que receberam auxílio estatal: CGD, BCP, BPI, BES, Novo Banco, Banif, BPP e BPN.
23,8 mil milhões para a banca em 12 anos
Contudo, o BdP acabou por agregar um conjunto de informação pública que demonstra a participação de dinheiro público – entretanto devolvido ou não – nos bancos. No total, nos últimos 12 anos, a banca teve ajudas de 23,8 milhões de euros.
No quadro do BdP, pela sua natureza pública, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi o banco que mais apoio teve do Estado, com 6,250 mil milhões de euros, grande parte da capitalização de 2018. O BdP esclarece no entanto que “no caso da CGD, foram registados recebimentos de dividendos por parte do Estado ao longo do período considerado”.
Logo de seguida, o que mais pesou em ajudas de Estado foi o Banco Português de Negócios (BPN), com 4,9 mil milhões, e o BES, com 4,330 mil milhões. Neste quadro aparecem ainda os chamados Coco’s do BPI (1500 milhões) e do BCP (3000 milhões).
Mas sobre estes bancos, o BdP faz uma nota: “Importa salientar que os fundos públicos disponibilizados em 2012 foram integralmente devolvidos ao Estado, incluindo os juros contratados na altura entre o Estado e estas duas instituições”.
Anexo escondido
O supervisor liderado por Carlos Costa dividiu em dois documentos tudo o que diz respeito aos grandes devedores. Há uma nota metodológica, o documento publicado, e há depois um anexo, onde está a “informação relevante relativa às instituições de crédito abrangidas”. E é esse anexo que não foi divulgado, referiu o Expresso.
Essa informação está “abrangida pelo segredo bancário”. “A informação em causa reconduz‐se à vida e à atividade principal das instituições de crédito […] e às relações destas com os seus clientes, mais concretamente a operações bancárias (mormente de crédito) com dados individuais sobre os clientes”, indica o documento. A informação “encontra‐se igualmente abrangida pelo dever de segredo do Banco de Portugal”.
A autoridade gasta alguns parágrafos a explicar o motivo pelo qual não divulga a informação “relevante” sobre os grandes devedores dos bancos: “Além da necessária preservação do dever legal de segredo e da escrupulosa proteção de dados pessoais, importa atender às especiais cautelas que, no tratamento da informação constante do relatório extraordinário, não podem deixar de ser absolutamente justificadas à luz da estrita observância de princípios estruturantes de sã e leal concorrência entre as instituições de crédito e sociedades não financeiras a operar no mercado português, procurando‐se igualmente salvaguardar a estabilidade financeira e o regular financiamento da economia”.
Outra questão é o “dano reputacional”: “poderá contribuir para uma perceção negativa por parte dos atuais e futuros clientes em favor de entidades não sujeitas ao escrutínio inerente à lei, enquanto para as empresas, designadamente para aquelas que regularizaram, ou estão a regularizar a sua situação, a eventual perda de confiança poderá ter impacto significativo na sua atividade e, deste modo, no emprego gerado, com as consequentes implicações em termos de estabilidade financeira”.
Aliás, há um aviso claro: “a sua eventual divulgação, além de contrária às regras sobre o segredo e sobre a proteção de dados pessoais, constituiria um risco significativo para a estabilidade financeira e o regular financiamento da economia”.
Braço-de-ferro a caminho?
De acordo com o Expresso, o BdP divulgou o documento consoante o seu entendimento, e o Parlamento vai agora analisar se o que foi revelado cumpre o “espírito do legislador”, como disse o deputado Duarte Pacheco.
O Parlamento, que está sensível ao facto de haver informação que não pode ser revelada (valores de imparidades de créditos em venda e nomes de devedores que são cumpridores), pode considerar que há dados que podem ser divulgados sem colocar em risco a estabilidade financeira. E ir contra o supervisor.
Essa avaliação vai ser feita pela comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa – que poderá depois entrar em contactos com o BdP para pedir mais dados – e o assunto será também discutido em conferência de líderes na quarta-feira.
Nos últimos anos, os deputados e o supervisor da banca têm tido embates devido ao acesso a informação sobre os bancos – aliás, foram esses mesmos que estiveram na base desta lei de janeiro.
TP, ZAP //
Fonte: ZAP