Por: Igor Lopes
Desde o último dia 30 de março, Paulo Alexandre Nascimento Cafôfo, de 50 anos de idade, é o novo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas do XXIII Governo Constitucional, em Portugal. Natural do Funchal, na Madeira, este responsável garante trabalhar em proximidade com a diáspora portuguesa.
Em entrevista à nossa reportagem, Paulo Cafôfo falou sobre vários temas, incluindo os desafios do novo cargo, a relação com os seus pares, com o CCP, com os deputados eleitos pela emigração e com outros organismo e entidades e garantiu que a rede consular lusa deve ser alvo de grande atenção.
Quais os seus objetivos à frente da SECP?
Vivemos num mundo global e complexo. Os acontecimentos mais recentes como a pandemia que ainda nos assola, assim como a guerra na Europa, com repercussões em todo o globo, faz com que tenhamos de olhar para as nossas comunidades residentes no estrangeiro com uma redobrada atenção. São muitos os portugueses espalhados pelo mundo, e muitos os que já regressaram, cidadãos de pleno direito que muito têm dado ao país. Constituem um enorme ativo, acrescentando Portugal ao mundo, mas também mundo a Portugal. São o nosso orgulho. A visão que tenho para as nossas comunidades é a de as potenciar como fator decisivo para o desenvolvimento do país. Tal só será possível se tivermos uma estratégia que coloque estes cidadãos no centro de políticas que os valorizem como portugueses de primeira. São muitos os problemas que temos de resolver, mas desejo transformá-los em oportunidades. Estabelecer prioridades, planear e construir uma estratégia em que estes cidadãos possam ser fazedores de futuro, é o desafio que tenho pela frente. O serviço público prestado pela nossa rede consular é uma prioridade. O novo modelo de gestão consular pretende simplificar procedimentos e agilizar processos, aproximando os cidadãos residentes do estrangeiro com o nosso país. O objetivo principal passa por assegurar o serviço consular 24h por dia, em qualquer parte do mundo, assente na criação de plataformas tecnológicas e na reorganização de serviços. Um passo para o futuro que terá de ser dado com solidez e de forma progressiva, mas efetiva. Se há algo que nos distingue das comunidades de outros países, é o forte espírito associativo da nossa diáspora, tão responsável pela criação de verdadeiros laços entre a comunidade. Uma forma de difundir a nossa cultura e língua pelo mundo, mas também de criar laços de solidariedade entre a nossa comunidade e a promoção de uma melhor integração nos países de acolhimento. O apoio contínuo, com justiça e equidade, para garantir a dinâmica das nossas associações, será um vetor importante da nossa política. Nos dias que correm a língua portuguesa tem uma importância cultural e económica determinante para o nosso futuro. A língua portuguesa é o que nos une, e por essa razão, o ensino do português no estrangeiro é visto como estratégico. O objetivo será o de expandir este ensino. Hoje, somos mais de 260 milhões de pessoas a falar a língua de Camões, por isso a sua valorização terá de ser um trabalho permanente. Mas não ficaremos por aqui. O que mais admiro nos nossos conterrâneos espalhados pelo mundo é a sua coragem, a sua capacidade de integração, o seu humanismo no relacionar-se com os outros, e a sua capacidade de empreendedorismo e de trabalho. São uma inspiração para todos os portugueses. E se é verdade que temos muitos casos de sucesso, também é verdade que a situação em determinados países obriga que sejamos solidários com os nossos cidadãos que se encontram numa situação de fragilidade social. É nosso dever continuar a investir em mecanismos de proteção social, criando uma rede de amparo. Considero, como já referi, que as nossas comunidades têm no futuro, à semelhança do que fizeram no passado, um importante contributo a dar para o desenvolvimento do país. O Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID) é um importante instrumento para promover o investimento da diáspora, bem como as exportações e a internacionalização das empresas nacionais através da diáspora. A vastidão da nossa comunidade, dá-nos escala num mercado global que tem de ser potenciado e incrementado. Como se vê, trabalho não nos falta, mas vontade também não. E já arregaçamos as mangas para dar o nosso melhor.
Como pensa interagir com o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP)?
Uma das melhores formas de potenciar a cidadania, a participação e a representatividade democrática é através do Conselho das Comunidades Portuguesas. Será com o diálogo com os Conselheiros que encontraremos as melhores soluções para que esse órgão tenha as melhores condições de exercer a sua nobre missão. Quero que saibam que podem contar comigo.
Qual será a sua ligação ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros?
A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas está inserida no Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Senhor Ministro e os meus colegas Secretários de Estado funcionamos como uma verdadeira equipa. É esse o espírito que norteia a nossa missão de serviço público.
Qual será a sua relação com os deputados eleitos pelo círculo da emigração, europeu e fora da Europa?
O papel dos deputados eleitos pelo círculo da emigração é essencial na ligação das comunidades com o país. São profundos conhecedores das comunidades e, acima de tudo, a sua voz no parlamento. O diálogo será a melhor ferramenta que fará que todos nós desempenhemos bem as tarefas para as quais estamos incumbidos.
Muitos portugueses no estrangeiro dizem-se preocupados com o facto de poderem não ter um deputado do PS a atuar de forma central no círculo de Fora da Europa. Como vê esta situação?
Pela primeira vez um deputado eleito pelo círculo da emigração é eleito entre os seus pares para o segundo mais alto cargo do País, a Presidência da Assembleia da República. Esse deve ser um motivo de orgulho para toda a diáspora e estou certo de que Augusto Santos Silva acompanhará a vida dos portugueses residentes no estrangeiro. No meu gabinete terei a exercer funções de meu adjunto o Dr. Paulo Porto, anterior deputado eleito pelo círculo de fora da Europa, o que será uma mais-valia. É um profundo conhecedor da nossa diáspora e dará um enorme contributo a esta Secretaria de Estado. Desejo também as maiores felicidades ao deputado António Maló de Abreu, eleito pelas listas do PSD, desejando que dê um contributo positivo em prol nossas comunidades. Desejo de igual forma um bom trabalho aos deputados e deputadas eleitos pelo círculo da Europa.
O que significa para si a diáspora portuguesa?
A diáspora portuguesa é o que melhor representa a nossa portugalidade, esse sentimento comum que nos une, estejamos onde estivermos, que proporciona relações de solidariedade e cooperação. Quem sai do país para residir no estrangeiro leva sempre Portugal consigo. Podemos dizer que não deixa o país, apenas estende as nossas fronteiras para outras latitudes. E temos a saudade, esse sentimento único, que se for potenciado tem um valor cultural e económico acrescentado. Cada um dos portugueses espalhados pelo mundo constrói a cada dia um Portugal mais próspero. Esse país feito por cada um, que todos nos apropriamos. E, assim, a cada dia nasce um novo Portugal. Tal não seria possível sem a nossa diáspora.
Como caracteriza a comunidade portuguesa na Suíça e no Brasil?
Cada comunidade portuguesa tem as suas particularidades. Por ter tido um tio que emigrou para o Brasil, nomeadamente para São Paulo, nos anos 1950, e ter familiares a residir na Suíça, tenho um apreço por essas nossas comunidades. Apesar de distintas, revelam as características únicas de que somos feitos, bem plasmadas na vontade de vencer na vida, com base no trabalho e num bom relacionamento com as pessoas dos países de acolhimento.
Como devem ser trabalhadas as políticas públicas voltadas para a diáspora portuguesa?
As políticas públicas devem ter sempre como foco as pessoas. É para elas que trabalhamos, para que a cada dia que passa se consiga acrescentar algo à sua vida, ao seu bem-estar. Tendo em conta esse princípio, e não querendo me repetir, assumo compromissos com as várias áreas que acima referi.
Anteriores gestões à frente da SECP tiveram de lidar com a Covid-19 e com parte do cenário de guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Está ciente dos desafios que terá pela frente, nestes momentos iniciais?
Os desafios são muitos neste mundo em permanente mudança. Uma mudança cada vez mais acelerada, pelo que temos de estar sempre atentos e sermos proativos. Temos uma pandemia que ainda não acabou, estamos numa fase menos grave desta doença, mas temos de continuar com os mesmos cuidados e preparados para as diferentes abordagens que cada país terá, nomeadamente na forma como pode afetar não só as nossas comunidades, como também outras pessoas que poderão estar em viagem. Qualquer cenário que se tente traçar sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia terá sempre um grau de imprevisibilidade. Temos de acompanhar a sua evolução e adaptarmo-nos rapidamente aos constrangimentos que daí possam advir.
Que conversações pretende manter com a diáspora portuguesa no mundo e com os líderes dos países de acolhimento?
Serei uma pessoa presente e atenta à nossa diáspora. Quem me conhece sabe que a proximidade é uma das minhas características e é algo que gosto imenso de fazer. Gosto de estar com as pessoas, de ouvi-las. Ouvir as suas preocupações, os seus problemas, mas também as suas alegrias, as suas conquistas. Temos de fazer parte do dia a dia de cada um dos portugueses espalhados pelo mundo. Esta é a única maneira que concebo de estar na política, sempre pelas pessoas. Naturalmente que muitas das questões das nossas comunidades estarão fortemente ligadas aos países de acolhimento, sendo, por isso, absolutamente imprescindível manter excelentes relações com quem acolhe os nossos conterrâneos, para que possamos intervir sempre que necessário. Nas deslocações que realizarei, irei reunir-me com as autoridades nacionais e locais, de modo a sensibilizá-las para as necessidades, mas também para a importância das nossas comunidades.
O que os portugueses podem esperar do seu trabalho?
É uma honra e uma enorme responsabilidade ter sido escolhido para exercer este cargo. Servir o país é um orgulho, servir diretamente as nossas gentes é um orgulho ainda maior. É com um sentimento de dever e compromisso, aliado à minha máxima energia que exercerei esta missão, certo de que terei uma vasta equipa com os mesmo princípios e vontade de tudo fazer pelos portugueses que escolheram outros países para viver. Conto com todos aqueles que exercem as suas funções na rede consular, sejam os Cônsules Honorários, os nossos Conselheiros das Comunidades Portuguesas ou os milhares de representantes de associações e instituições que tão bem representam as nossas comunidades e que fazem um excelente trabalho de integração e ligação dos portugueses no estrangeiro, divulgando simultaneamente a nossa cultura, afirmando a nossa identidade. Este trabalho não se iniciou agora, há um histórico de muita coisa bem feita ao longo dos últimos anos e que teremos de potenciar, e com inovação, certamente ir ainda mais além.
Há ainda outra questão que se arrasta no tempo: os ordenados dos trabalhadores dos consulados portugueses no Brasil. Tem já informação sobre este caso? O que pode fazer?
Nesta Secretaria de Estado trabalhamos com pessoas para pessoas. Os nossos recursos humanos assumem, por essa razão, uma importância acrescida. Os nossos trabalhadores consulares desempenham uma função de altíssima responsabilidade, e conhecemos os problemas que têm. Procuraremos encontrar uma solução justa que valorize a sua função, com diálogo com os representantes sindicais, mas também decidindo com muita responsabilidade.
Como a sua experiência pode contribuir para os trabalhos no âmbito da SECP?
O trabalho de autarca é uma experiência muito valiosa para o exercício destas funções. Trabalhámos com pessoas e com proximidade. No exercício das minhas funções, enquanto autarca, olhei também para fora da área geográfica pela qual tinha responsabilidades. Fiz questão de conhecer as principais comunidades de madeirenses a viver fora de Portugal. Desloquei-me à Venezuela, África do Sul, Londres e Ilhas do Canal. Estive sempre atento às suas dificuldades e aos seus anseios. Foi uma boa escola para agora desemprenhar estas funções.
Tem já agendas marcadas junto das comunidades portuguesas?
Estamos a planear diversas deslocações com uma componente de proximidade muito grande. Brevemente comunicaremos.
Quem é Paulo Cafôfo?
Tenho 50 anos de idade, sou natural da cidade do Funchal, na Ilha da Madeira. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, professor de História, exerci docência em várias escolas da Região Autónoma da Madeira, a par de diversos cargos de direção nos Conselhos Executivos e Pedagógicos. Em 2012, fui convidado pelo Partido Socialista (PS) para a coordenação do Laboratório de Ideias da Madeira, iniciando “a minha participação política ativa”. Em 2013, fui indicado pelo Partido Socialista para encabeçar a lista à Câmara Municipal do Funchal, numa coligação de seis partidos. A 29 de setembro de 2013, fui eleito presidente da Câmara Municipal do Funchal, vencendo “pela primeira vez o PSD numas eleições para a capital da Região Autónoma da Madeira”. Em 1 de outubro de 2017, reforcei a votação anterior, vencendo novamente as eleições para a Câmara Municipal do Funchal com maioria absoluta. Durante os meus mandatos enquanto presidente da Câmara Municipal do Funchal, pratiquei sempre uma política de grande proximidade com as pessoas. Fiz profundas mudanças e preparei a cidade para o futuro como diversos planos estratégicos, nomeadamente o Plano Diretor Municipal e o Plano de Ação e Mobilidade Sustentável. Iniciei novas ações sociais com medidas de apoio à população aos mais variados níveis, nomeadamente na área da educação e habitação. A redução da dívida histórica que o município apresentava em 2013 foi reduzida drasticamente, passando a se fazer políticas transparentes e responsáveis. Acompanhei as várias comunidades funchalenses espalhadas pelo mundo, nomeadamente com visitas à África do Sul, Venezuela, Reino Unido e Ilhas do Canal e com a abertura da loja do munícipe passou-se a dar especial atenção à comunidade da diáspora portuguesa. Fui presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira (AMRAM) e da Confederação dos Municípios Ultraperiféricos (CMU). Em junho de 2019, deixei o cargo de presidente de Câmara do Funchal para dedicar-se em exclusivo à candidatura a presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira pelo Partido Socialista. Fruto dessas eleições, pela primeira vez o PSD perde a maioria absoluta, tendo o PS ficado a apenas dois deputados da vitória. A 25 de julho de 2020, fui eleito presidente do PS-Madeira com a maior votação da história da federação regional, tendo exercido esse cargo até ao final de fevereiro de 2022. Até ao final de 2021, exerci o cargo de deputado à Assembleia Legislativa da Madeira. A 30 de março de 2022, tomei posse como Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas do XXIII Governo Constitucional.