O Tribunal da Relação de Lisboa revelou esta quarta-feira à agência Lusa que reverteu uma decisão do juiz Ivo Rosa e decidiu levar a julgamento um cidadão marroquino acusado de pertencer ao grupo Estado Islâmico e de recrutar operacionais em Portugal.
Em 22 de junho, o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, decidiu não pronunciar – ou seja, não levar a julgamento – Abdesselam Tazi por vários crimes ligados ao terrorismo, tendo os procuradores do Ministério Público (MP) João Melo e Vítor Magalhães interposto recurso da decisão de “não pronúncia” para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
Em resposta escrita enviada à Lusa, o TRL refere que “deu provimento” ao recurso do MP, revogou a “anterior decisão instrutória” e ordenou que “a mesma seja substituída por outra que pronuncie (leve a julgamento)” o arguido pelos oito crimes que constam do despacho de acusação do MP, “por se entender estarem fortemente indiciados os factos descritos na acusação”, segundo a decisão dos juízes desembargadores Simões de Carvalho (relator) e Margarida Bacelar.
Abdesselam Tazi, 64 anos, em prisão preventiva na cadeia de alta segurança de Monsanto, em Lisboa, está acusado de oito crimes: adesão a organização terrorista internacional, falsificação com vista ao terrorismo, recrutamento para o terrorismo, financiamento do terrorismo e quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo.
Na leitura da decisão instrutória, Ivo Rosa, que será o juiz responsável pela fase de instrução do processo da Operação Marquês, sustentou que a prova apresentada pelo MP na acusação era “indireta”, acrescentando que dos factos imputados a Tazi não era possível inferir ou concluir que o arguido tivesse atuado com o propósito de falsificar documentos, de financiar, de aderir ou de recrutar elementos para o Estado Islâmico ou para outra organização terrorista.
O juiz salientou que “não se mostraram” provados indícios suficientes quanto aos factos descritos na acusação relacionados com o terrorismo, razão pela qual não pronunciou (não levou a julgamento) o arguido por esses factos.
Ivo Rosa colocou ainda em causa a prova apresentada pelo MP que sustentaria as ligações ao terrorismo, e disse que a acusação formou a sua convicção “em meios de prova indireta”, que podem ter diversas leituras e interpretações.
O facto de Tazi ter utilizado passaportes e cartões de crédito falsos, ter viajado para a Turquia, estar na posse de manuscritos do Islão, ser muçulmano e ortodoxo, não haver prova direta de que radicalizou Hicham El Hanafi [detido em França desde 20 de novembro de 2016 por envolvimento na preparação de um atentado terrorista] não permite, segundo o juiz, “extrair-se uma conclusão ou inferir que dos mesmos o arguido aderiu a uma organização terrorista ou que recrutou Hicham El Hanafi”.
Ivo Rosa decidiu levar o arguido a julgamento apenas por um crime de falsificação de documento (relativo à falsificação do passaporte) e por quatro crimes de contrafação de moeda (relativos ao uso de quatro cartões de crédito falsos), que nada têm a ver com terrorismo ou com ligações terroristas.
Tazi está a ser julgado por estes crimes em Aveiro, pois foi nessa comarca “onde se consumou o crime de contrafação de moeda”, estando a leitura do acórdão agendada para as 10:00 de 07 de dezembro.
Segundo a acusação do MP, Tazi deslocou-se várias vezes ao Centro de Acolhimento para Refugiados, no concelho de Loures, para recrutar operacionais para esta organização, prometendo-lhes mensalmente 1.800 dólares norte-americanos (cerca de 1.500 euros).
Abdesselam Tazi fez-se sempre acompanhar de Hicham El Hanafi, que havia radicalizado e recrutado em Marrocos, antes de ambos viajarem para a Europa. O MP diz que o processo de refugiado, os apoios e a colocação em Portugal deste suspeito foram idênticos aos do arguido, tendo ambos ficado a viver juntos no distrito de Aveiro.
“Pelo menos a partir de 23 de setembro de 2013, a principal atividade desenvolvida pelo arguido em Portugal consistia em auxiliar e financiar a deslocação de cidadãos marroquinos para a Europa e em obter meios de financiamento para a causa ‘jihadista’”, indica a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
O MP conta que Abdesselam Tazi “passou a visitar regularmente” o Centro de Acolhimento para Refugiados (CAR) “para dar apoio às pessoas em relação às quais organizara a sua vinda para Portugal e outros migrantes jovens que pudessem ser radicalizados e recrutados para aderirem ao Daesh” (acrónimo árabe do grupo extremista Estado Islâmico), procurando convencê-las de “que teriam uma vida melhor se aderissem ao Daesh e fossem viver para a Síria”.
Fonte: ZAP