Manuel De Almeida / Lusa
Vítor Constâncio disse aos deputados na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos que, 12 anos depois, não se lembra de muito do que aconteceu e que está agora a ser investigado.
O socialista e ex-governador do Banco de Portugal esteve a ser ouvido durante mais de cinco horas na comissão parlamentar de inquérito à CGD, tendo admitido que “houve falhas em relação a alguns aspetos da supervisão”, mas da instituição, não pessoais.
A sua deslocação ao Parlamento acontece anos depois de ter prestado esclarecimentos numa comissão sobre o BPN. À época, Vítor Constâncio respondia sobre um enorme buraco a céu aberto que entretanto já custou cerca de cinco mil milhões de euros aos portugueses. Era o maior escândalo bancário em Portugal, envolvendo crimes de corrupção, tráfico de influências e lavagem de dinheiro.
Os deputados da comissão de inquérito à CGD criticaram o entendimento da supervisão do ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio, com BE e PCP a falarem em “inutilidade” e PSD a considerar “histórica” a assunção de falhas.
Ainda nesta audição, Constâncio foi questionado sobre a avaliação que faz sobre os auditores externos, após os sucessivos escândalos da banca, tendo dito que “não é muito positiva” e que o levou mesmo a propor uma comissão de análise, que foi criada.
Tal como em 2009, lembra o Observador, os deputados apontam o dedo ao supervisor, especialmente a Constâncio. “O senhor foi governador num tempo que o banco fez o que quis — concedeu créditos sem garantias, a investidores descapitalizados, sem seguirem as regras. Foi uma farra!”, acusa Mariana Mortágua, do Bloco.
Constâncio usa uma lógica semelhante à de 2009, mas em sentido oposto. Se no caso BPN a supervisão não podia fazer nada porque o banco tinha cometido e escondido ilegalidades, agora o BdP não podia fazer nada na Caixa porque as operações eram legais.
“As chamadas operações que, de alguma forma, se tornaram controversas, eram conhecidas, foram examinadas pelo BdP. Eram arriscadas, sim, mas não estavam escondidas. Eram decisões de gestão. A única responsabilidade do supervisor era exigir que houvesse cobertura de rácios de capital. Também não pode punir os gestores que tomaram decisões demasiado arriscadas pelo facto de terem tomado decisões demasiado arriscadas. Só o acionista o pode fazer. É a lei. Veja a lei”, responde Constâncio.
Em 2019 o supervisor “não é polícia moral”, em 2009 “não era um super polícia com acesso a tudo”. Na altura, tal como deixou implícito na comissão deste ano, acusava os deputados de “equívocos ou ignorância fundamental” sobre o que é a supervisão.
Os deputados recorrem a outra cartada: mas o BdP foi ou não avisado por elementos da própria Caixa Geral para as irregularidades que se estavam a passar? Para Constâncio, a memória não ajuda. “Não me lembro”. “Isso foi há 12 anos? Tanto papel que eu recebi desde então. Se a carta existiu, haverá registo no BdP. Não tenho ideia dessa carta. Não tenho obrigação de ter memória de todas as cartas, era impossível”.
Já em 2009, no caso BPN, Vítor Constâncio tinha ensaiado a mesma defesa. O BdP tinha uma capacidade limitada para descobrir irregularidades no âmbito da supervisão prudencial.
Em 2019, Constâncio disse aos deputados que, durante o seu consulado no BdP, “estava essencialmente concentrado na política monetária”, e que “a supervisão era matéria do vice-governador”. “Os gestores de topo” não têm incumbência de verificar casos concretos, “sobretudo quando não tem pelouro da supervisão”. O vice-governador do BdP que tinha o pelouro da supervisão nessa altura era António Marta, que já morreu.
Há dez anos, Constâncio foi confrontado com um alerta da auditora Deloitte acerca de “várias anomalias contabilísticas no grupo Banco Português de Negócios”. Na altura, Constâncio desvalorizou o alerta, afirmando que os auditores não lhe disseram nada quando foram diretamente interpelados pelo supervisor.
Esta quinta-feira, a Deloitte surgiu novamente na conversa. Os comunistas perguntam a Constâncio se os auditores externos da Caixa fizeram um bom trabalho. O ex-governador evitou a resposta. Constâncio apontou, no entanto, que “em vários casos, não houve um comportamento positivo” das auditoras.
Constâncio admite alguma coisa, mas dilui a responsabilidade juntando-se a episódios ocorridos noutros países. “Não sinto que tudo correu mal, mas decididamente que houve falhas em relação a alguns aspetos da supervisão, mas não foi só em Portugal mas em todos os países europeus”, disse.
No final Duarte Marques acusa Vítor Constâncio de “pior do que ceguinho é quem não quer ver”. Constâncio “ou fez parte ou foi deixado de parte”, acusa Duarte Marques.
O ex-governador ainda teve tempo para rejeitar a ideia de que o BdP deveria ter sido um protetor dos contribuintes – uma “espécie de VAR”. Mas Constâncio chutou para canto: “o BsP não é o protetor do contribuinte, a sua missão é proteger os depositantes e a estabilidade do sistema financeiro. Quem tem de garantir a proteção do contribuinte é o Estado”.
Fonte: ZAP