A trabalhadora despedida de uma empresa corticeira na Feira, após ter estado vários meses a carregar e descarregar os mesmos sacos de rolhas, disse esta quinta-feira que foi obrigada a estar de pé durante dois dias, sem fazer nada.
Cristina Tavares falava no Tribunal da Feira, na primeira sessão do julgamento da ação intentada pela empresa Fernando Couto Cortiças a contestar a multa de 31 mil euros que lhe foi aplicada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), por prática de assédio moral sobre a funcionária.
“Nos primeiros dois dias [após ter sido reintegrada por ordem judicial] estive de pé, sem fazer nada, durante nove horas. Quando me encostei a um muro, disseram que nem encostada podia estar”, disse a funcionária.
A operária contou ainda que, depois, a mandaram para uma plataforma elevada, situada a cerca de cinco metros de altura, para “fazer paletes” de sacos, contendo cinco mil rolhas de cortiça, que pesavam “mais de 15 quilos cada um”.
“Tinha de empilhar os sacos manualmente e depois chegava ao fim e desfazia tudo. Não saía dali”, relatou, adiantando que chegou a fazer “26 paletes” num dia. A mulher, que disse sofrer de “hérnias, tendinites e síndrome vertiginoso”, referiu que este trabalho era “desgastante”, porque o calor “era imenso”, acrescentando que por vezes sentia-se mal, com “tonturas” e chegava a “deitar sangue do nariz”.
Além do trabalho com as paletes, Cristina Tavares contou que também fez limpezas na unidade fabril, chegando a limpar setores que estavam fechados e outros que tinha limpado no dia anterior. A operária, que está atualmente desempregada, afirmou ainda que se sentiu “um lixo e humilhada”, tendo emagrecido seis quilos naquela altura.
“Foi muito difícil. Ainda hoje estou a tomar medicamentos para dormir”, disse emocionada, sem conseguir conter as lágrimas.
“Condições penosas”
Na mesma sessão, foi ouvida a inspetora da ACT que visitou a empresa em 29 de maio de 2018 e 5 de julho do mesmo ano, que afirmou que a funcionária estava a trabalhar em “condições penosas” e “não estava a exercer as suas funções”, conforme tinha sido determinado pelo Tribunal. A inspetora referiu ter advertido a empresa que “tinham que alterar a sua postura”, pois esta situação era “lesadora” para a trabalhadora e “já estava a ter consequências na sua condição física e psicológica”.
“Falámos com o diretor financeiro e uma das representantes legais da empresa e advertimos que a empresa teria que dar cumprimento à sentença, mas eles alegaram que não tinham posto de trabalho para dar à trabalhadora”, explicou.
O advogado da empresa, Nuno Cáceres, acusou a inspetora de estar “com grande pica no sentido de incriminar a empresa” e advertiu o tribunal para a “pressão política e sindical” associada ao processo. O causídico pôs ainda em causa o auto de notícia e a forma como foi obtida a prova, porque “baseia-se unicamente no discurso da trabalhadora”.
“A inspetora do trabalho limitou-se a ouvir a trabalhadora nas duas visitas que fez à empresa”, disse o advogado, lembrando que nessa altura, “já tinha havido um processo judicial, a trabalhadora estava a ser reintegrada e estava a ser acompanhada e patrocinada pelo sindicato”. O julgamento foi interrompido por volta das 13:15 e vai continuar no dia 23 de abril, pelas 14:00.
Entretanto, para amanhã está marcada a primeira sessão do processo de impugnação ao despedimento de Cristina Tavares, instaurado pela própria e pelo seu sindicato.
Cristina Tavares foi despedida da Fernando Couto Cortiças em janeiro de 2017, alegadamente por ter exercido os seus direitos de maternidade e de assistência à família, mas o tribunal considerou o despedimento ilegal e determinou a sua reintegração na empresa. Em janeiro deste ano a empresa corticeira voltou a despedi-la acusando-a de difamação, depois de ter sido multada pela ACT, que verificou no local que tinham sido atribuídas à trabalhadora tarefas improdutivas.
Fonte: ZAP