A resolução do BES foi há cinco anos, um verão “quente” do setor financeiro que já custou mais de 5.000 milhões de euros ao Estado e a fatura ainda deve subir. “Cinco anos volvidos após ter sido desvendada a maior fraude e pirâmide financeira da nossa história, ninguém foi preso ou sequer julgado“, acusa o ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira.
Em 30 de julho de 2014, noite de quarta-feira, já se esperava um rombo forte, mas a realidade sobre as contas do BES do primeiro semestre superou as expectativas: revelavam 3,6 mil milhões de euros de prejuízos e punham a descoberto uma série de irregularidades financeiras. Mais: o banco tinha um rácio de solvabilidade abaixo do exigido para funcionar.
Apesar disso, ainda nessa noite tanto o então presidente do BES, Vítor Bento (que já substituíra o líder histórico Ricardo Salgado, afastado pelo banco central) como o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, garantiram por escrito que o banco ia continuar. Em cinco dias tudo mudaria.
Os dias seguintes foram de intensos contactos e reuniões em Portugal e com as autoridades europeias e no domingo, 3 de agosto, o Banco de Portugal, apoiado pelo Governo PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, aplicou uma medida de resolução ao BES. Perto das 23:00, o governador do Banco de Portugal falou ao país e anunciou a solução “urgente” para o BES.
O banco central punha fim à instituição centenária fundada pela família Espírito Santo, considerada a última dinastia de banqueiros em Portugal.
A medida de resolução criava duas entidades: o ‘BES mau’, que deixou de poder operar, onde ficavam os ativos e passivos considerados ‘tóxicos’, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os ativos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos, entre os quais o público CGD, que está na esfera do Estado e consolida nas contas públicas) com 4,9 mil milhões de euros.
“Nem um euro” público será gasto
Então, o governador garantia: a “solução não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes”. Também o Governo PSD/CDS-PP afirmou então que seria a restante banca a suportar eventuais custos, caso o Novo Banco fosse depois vendido abaixo da capitalização. Também o Governo PS tem dito que “nem um euro” público será gasto no Novo Banco, já que o dinheiro que o Estado está a emprestar ao Fundo de Resolução para recapitalizar o banco será pago por este em 30 anos.
Para já, cinco anos e dois governos (PSD/CDS-PP e PS) depois, os encargos para o Estado têm estado sempre a aumentar e penalizado o défice. Na capitalização do Novo Banco, uma vez que não tinha dinheiro suficiente, o Fundo de Resolução pediu ao Tesouro público 3,9 mil milhões de euros. Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização tinha sido ‘curta’, até porque muitos dos ativos do Novo Banco afinal eram ‘tóxicos’ (crédito malparado, imóveis sobrevalorizados).
Assim, em dezembro de 2015, o Banco de Portugal passa para o ‘banco mau’ BES obrigações seniores que inicialmente ficaram protegidas no Novo Banco, provocando grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock. Os processos correm agora em tribunal.
Assim, numa primeira fase, o Novo Banco foi capitalizado com 6,9 mil milhões de euros, dos quais 3,9 mil milhões de euros públicos, ainda que através de um empréstimo. Entretanto, sucediam-se as tentativas de vender o Novo Banco e só em outubro de 2017 seria concretizada a alienação ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, de 75%, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco.
Acordou ainda um mecanismo pelo qual até 2026, e com um limite de 3.890 milhões de euros, o Fundo de Resolução compensa o Novo Banco por perdas num conjunto de ativos que ponham em causa os rácios de capital.
Referente a 2017, o Novo Banco recebeu uma injeção de capital de 792 milhões de euros, dos quais 430 milhões de euros vieram de um empréstimo do Estado. Já em maio deste ano, referente a 2018, recebeu mais 1.149 milhões de euros, dos quais 850 milhões de euros de empréstimo público. Segundo este mecanismo, nos próximos anos, o Novo Banco ainda pode pedir mais quase 2.000 milhões de euros.
Já na sexta-feira, o Novo Banco estimou que pedirá mais 541 milhões de euros ao Fundo de Resolução com base nos prejuízos do primeiro semestre (-400 milhões de euros). Este valor ainda deverá aumentar uma vez que o total a pedir apenas se saberá com as contas anuais de 2019 e o próximo semestre deverá continuar difícil.
Novo Banco pode precisar de mais capital
Contudo, os custos do Fundo de Resolução não se ficam por aqui.
O governador do Banco de Portugal explicou no parlamento, em 2017, que ainda pode ser chamado a entrar com mais capital no Novo Banco, caso haja outras perdas que resultem de atividade não protegida pelo mecanismo de compensação. Nesse caso, segundo o contrato de venda, as perdas têm de ser assumidas “pelos acionistas na proporção do capital” e o Fundo de Resolução tem 25%.
Por fim, há ainda um acordo entre o Governo e a Comissão Europeia que prevê que, caso haja necessidade de capital “em circunstâncias adversas graves e os acionistas não as consigam colmatar, “Portugal disponibilizará capital adicional limitado”.
O objetivo de Bruxelas é garantir que o Novo Banco é viável, mesmo que o Estado tenha de intervir. Aos custos da resolução do BES há ainda a somar encargos com os mecanismos de compensação dos lesados.
O Estado já emprestou 140 milhões de euros para a solução dos lesados do papel comercial (para pagar a primeira prestação das indemnizações) e mais uma garantia estatal de quase 153 milhões de euros. Poderá ainda vir a financiar outras soluções, como a que está a ser montada para os lesados do BES emigrantes da Venezuela e África do Sul.
Por fim, há ainda muitos processos em tribunal que podem implicar significativos custos, caso os contestatários vençam as ações. Os processos apenas contra o Banco de Portugal estimam-se em cerca de 400. Mesmo os processos que visam o Novo Banco, relativos à resolução, terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução caso haja custos.
O Fundo de Resolução terá ainda de pagar a quem for reconhecido ter créditos sobre o BES. A consultora Deloitte concluiu, em auditoria pedida pelo Banco de Portugal, que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação, em vez de resolução, pelo que o Fundo de Resolução terá de assumir esse valor. Perante o grave cenário financeiro do BES, no ‘verão quente’ de 2014, a alternativa poderia ter sido a liquidação.
O Banco de Portugal estimou que um cenário de ‘falência’ não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, teria levado o Fundo de Garantia de Depósitos a gastar entre 9.000 e 18.000 milhões de euros para reembolsar os depósitos garantidos.
Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, divulgado em outubro de 2014, a resolução ordenada do BES e a criação do Novo Banco foi “a opção menos onerosa para Portugal”.
“Cinco anos volvidos, ninguém foi preso ou julgado”
“Cinco anos volvidos após ter sido desvendada a maior fraude e pirâmide financeira da nossa história, ninguém foi preso ou sequer julgado“, atirou o antigo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, referindo-se à BES.
“Perante isto, como é que a nossa justiça pretende permanecer credível aos olhos dos cidadãos? Por que é que os partidos não fizeram mais?”, questiona ainda Santos Pereira, governante de Pedro Passos Coelho.
Para o atual diretor do departamento de economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, uma divisão do processo em várias partes poderia acelerar a resolução, tal como explicou em entrevista ao jornal i esta segunda-feira publicada.
“Em parte, a lentidão deve-se à dimensão do processo”, aponta, sugerindo que, por isso, se faça como noutros países, dividindo “os mega-processos por áreas”.
“Se houve fraude fiscal, que se julguem (e prendam) as pessoas nessa base. As demais acusações (mais complicadas) poderão ser julgadas depois”, sustentou.
“O que não é de todo aceitável é a impunidade vigente (…) O que não se pode aceitar é manter-se tudo no limbo judicial atual. Um limbo que mina a credibilidade da Justiça e da própria Democracia”, completa ainda o antigo ministro da Economia, no Twitter.
Fonte: ZAP