Uma equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa (UNL) localizou e identificou o navio “Terje Viken”, afundado por um submarino alemão, a 16 de abril de 1916, ao largo de Cascais.
Uma equipa de historiadores navais e arqueólogos marítimos da UNL, em parceria com o Instituto Hidrográfico (IH), visualizou o destroço do vapor a 65 metros de profundidade, “comprovando a identidade da primeira vítima da Marinha alemã em águas portuguesas na Grande Guerra (1914-1918)”, segundo fonte do Centro de Investigação História, Territórios e Comunidades daquela universidade.
“O submarino alemão responsável pela colocação das minas que levaram à perda do ‘Terje Viken’ foi o mesmo que levou ao afundamento do Britannic, o navio gémeo do Titanic”, disse à Lusa o arqueólogo marítimo Alexandre Monteiro.
O vapor “Terje Viken” era “um cargueiro com 105 metros de comprimento e 3,58 toneladas, registado em Tonsberg, na Noruega que, na tarde do dia 17 de abril de 1916, quando navegava rumo a Lisboa com uma carga de trigo proveniente de Galveston, no Texas, colidiu com várias minas, colocadas nesse mesmo dia à entrada da barra do rio Tejo pelo submarino alemão ‘U73’”, explicou Alexandre Monteiro.
As pesquisas foram feitas em arquivo e “junto da comunidade piscatória de Cascais, nomeadamente junto do pescador Tó Simão, combinadas com os dados adquiridos pelos sonares de multifeixe e de varrimento lateral do IH”.
“As dimensões do destroço, os danos estruturais visíveis, a morfologia do navio, a sua localização e a profundidade a que se encontra levam os investigadores a crer estarem perante o naufrágio do navio norueguês ‘Terje Viken’“, segundo a equipa.
O vapor norueguês foi o primeiro navio a afundar-se em águas portuguesas em resultado da declaração de guerra feita pela Alemanha a Portugal em março de 1916.
“Juntamente com o destroço do caça-minas ‘Roberto Ivens’, este naufrágio constitui o segundo testemunho material da Grande Guerra até agora conhecido no estuário do Tejo”, sublinharam Alexandre Monteiro e o historiador naval Paulo Costa.
Os investigadores da UNL realçaram que “a barra de Lisboa é um cemitério de navios de todas as cronologias, entre os quais vários que testemunham a passagem da I Guerra Mundial por águas portuguesas”.
A descoberta do destroço naval deveu-se a uma investigação do Centro de Investigação História, Territórios e Comunidades, da UNL, que incluiu relatórios confidenciais e livros de bordo que foram localizados, traduzidos e transcritos, cartas com “marcas” de naufrágios e os relatos de grãos de trigo que vinham agarrados às redes de pesca.
“Esta marca, passada de avôs, para pais e depois para filhos, era conhecida do pescador de Cascais Tó Simão, encontrando este o pesqueiro pelo alinhamento do Palácio da Ajuda com outras conhecenças no litoral de Oeiras e Cascais”, disseram à Lusa os dois investigadores.
Segundo aqueles elementos, “a identificação do primeiro navio a ser afundado em águas portuguesas durante a guerra com a Alemanha Imperial demonstra a importância do estudo do património cultural subaquático jazente nos mares portugueses e a capacidade técnica que o IH detém atualmente para localizar e caracterizar esse património, cumprindo assim uma das funções de soberania alocadas a Portugal enquanto Estado subscritor da Convenção da UNESCO para a Proteção do Património Cultural Subaquático”.
“Todos eles constituem património cultural subaquático, património esse que urge conhecer, proteger e divulgar junto do grande público”, sublinharam.
Entretanto, o IH e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL assinaram, em setembro, um “protocolo de colaboração a implementar em subsequentes ações de pesquisa, quer em arquivo, quer no mar“.
Um navio com nome de poema
O “Terje Virken” pertencia à companhia Wilhelm Wilhelmsen, de Tønsberg, na Noruega e tinha sido lançado ao mar a 18 de outubro de 1902 pelos estaleiros ingleses da Tyne Iron Shipbuilding, de Newcastle.
O navio tomara o seu nome de um poema de Henrik Ibsen, publicado em 1862, e era tripulado por 27 homens, sob o comando de Carl Leander Halvorsen, tendo zarpado de Galveston, no Texas, a 17 de março de 1916, com um carregamento de trigo destinado a Lisboa, “cidade que vivia então à míngua de cereal para panificação”.
“Lendo o relatório confidencial elaborado pela Marinha Portuguesa, os assentos produzidos pelo cônsul da Noruega em Lisboa e o livro de bordo do navio, é possível reconstituir os eventos que conduziram ao afundamento do ‘Terje Viken’”, disse Monteiro. O vapor, “comunicando por sinais com terra, soube que não só lhe seria impossível entrar em Lisboa sem um piloto local a bordo como também não lhe seria permitido entrar na barra depois do pôr do sol”.
“Os noruegueses içaram então a flâmula S, pedindo um piloto. Responderam-lhes de terra com a flâmula C, que sim, que lhes iriam enviar um piloto. Para evitar possíveis campos de minas, o capitão do ‘Terje Viken’ manteve o navio em águas profundas”.
Reconstituindo o episódio do dia 17 de abril de 1916, junto à saída da barra, o “Terje Viken” cruzou-se com seis navios-patrulha portugueses que se dirigiam ao cabo Espichel, mas o barco dos pilotos não se avistava. Às 17:30, o capitão do “Terje Viken” notou “um navio a servir de guarda-costas, ancorado defronte à Guia, em Cascais. Faz proa sobre ele, para indagar junto do seu comandante o porquê da demora em vir o piloto pedido”.
“O vento era ‘de norte, fraco, a maré estava no final da vasante, correndo com força’. O tempo estava ‘esplêndido, com horizontes claros e extensos’”, e às 17:45, “quando ‘Terje Viken’ se encontrava a quatro milhas da Guia, numa ‘linha direita traçada entre os cabos Raso e Espichel’, a sua sorte termina, dando em cheio num campo de 12 minas deixadas poucas horas antes pelo submarino alemão ‘U73′”, relataram os investigadores.
“A primeira mina detonou junto ao tanque de lastro da proa, a bombordo. Depois de um breve momento de hesitação, o capitão manda parar a máquina. É então que se dá a segunda explosão, também a bombordo, junto ao reservatório número um, logo atrás de onde ocorrera a primeira”, disseram os investigadores à Lusa, fazendo a reconstituição do episódio.
Os fragmentos metálicos das minas que caíram na ponte do navio, foram levados pelo capitão para a Noruega, neutral no conflito, “como prova da agressão alemã”. Sucedeu uma terceira explosão, e o comandante pediu ao capitão do navio guarda-costas, que se aproximara, para lhe passar um cabo, mas este recusou-se.
“O vapor começou a afundar-se pela proa, e a ordem de abandonar navio foi dada”, tendo os 26 tripulantes, “incólumes”, embarcado nos escaleres salva-vidas. A bordo permaneceu apenas o capitão Halvorsen, “que o abandonou quando a água do mar chegou à ponte de comando”.
O comandante e o imediato do navio queixaram-se ao cônsul da Noruega em Lisboa das autoridades portuárias portuguesas, “dizendo preto no branco que a perda do navio se devera à falta de vigilância por parte dos portugueses”.
O capitão afirmou mesmo que “o afundamento do seu navio se devera à falta de assistência do barco-piloto, um ‘rebocador grande’, cujo comandante se negara passar-lhe um cabo para o rebocar das águas profundas onde fora atingido pelas minas até um banco de areia na barra, onde pudesse encalhar, evitando o naufrágio”.
Para os investigadores, “o episódio do afundamento do ‘Terje Viken’ teve duas consequências: trouxe à jovem República Portuguesa a certeza material que a guerra que então se travava em terra na longínqua Flandres também lhe podia bater à porta, e com estrondo, e que a marinha mercante estrangeira e os aliados ingleses descobriam o quão impreparadas estavam a Marinha e as autoridades portuárias lusas para a nova realidade que se vivia no mar”.
Simultaneamente, “totalmente dependente do seu porto para se abastecer em cereais, combustíveis e armamento, Lisboa descobria horrorizada que urgia defender a barra do Tejo da insidiosa e invisível ameaça submarina alemã”.