O Ministério Público acusa o ex-banqueiro Ricardo Salgado de 65 crimes no âmbito do caso BES. O Grupo Espírito Santo já estava falido cinco anos antes de colapsar.
O Ministério Público proferiu, esta terça-feira, o despacho da acusação no âmbito do caso BES. O ex-banqueiro Ricardo Salgado foi acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, 30 crimes de burla qualificada e 12 crimes de corrupção ativa. Salgado é um dos 25 arguidos acusados pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Além disso, o Ministério Público escreve que o Grupo Espírito Santo (GES) já estava falido cinco antes do seu colapso, em 2014. Na acusação, lê-se que em 2009, a Espírito Santo Internacional, a principal holding do grupo, já se encontrava em bancarrota com capitais negativos de, pelo menos, 962 milhões de euros.
“A impotência económica do GES, e dos seus acionistas, para resolver, por si, esta situação, era em 2009 incontornável”, lê-se na acusação citada pelo jornal Público.
“Ricardo Salgado foi o responsável por uma estrutura de governo da parte financeira do GES assente em conflito de interesses, em que o seu prevaleceu, e com organismos de controlo inoperantes, quer externos quer internos, a quem sonegou informação elementar sobre o modo como organizou o negócio bancário, e nele recrutou, a soldo, um conjunto de funcionários que foram posicionados para os seus desígnios criminosos”, lê-se ainda na acusação que conta com mais de 4 mil páginas.
A situação do BES na altura foi mantida em segredo, sendo apenas conhecida por um “núcleo restrito” integrado por, entre outros, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo. Estes são os dois únicos membros da família que integram o rol de acusados.
Para camuflar o problema, Salgado conseguiu a “produção sistemática e sucessiva de demonstrações financeiras falsas, que foram divulgadas a acionistas, credores, auditores de empresas do GES, supervisores, nacionais e estrangeiros”.
“Conjuntamente com Amílcar Pires, com o departamento financeiro do BES e com funcionários que posicionou na Eurofin, Ricardo Salgado criou sob a administração da Eurofin um conjunto de veículos cuja existência e atividade foi ocultada ao mercado, auditores e supervisores, que foram responsáveis por desviar dinheiro do negócio do BES – numa operativa ruinosa para o banco, na venda de dívida própria aos seus clientes – e destiná-lo aos fins por si pretendidos: cobertura de perdas irrecuperáveis; manutenção de negócios inviáveis; e distribuição de dinheiro pelos que o coadjuvavam nos atos criminosos que eram praticados no seio do GES financeiro”, escrevem os procuradores.
Cavaco e presidente da TAP pagos por saco azul
Confirma-se agora também que o saco azul do GES financiou a campanha eleitoral de Cavaco Silva em 2011, servindo também para pagar os serviços do então deputado do PSD Miguel Frasquilho, atual presidente da TAP.
“Entre 2008 e 2011, Miguel Frasquilho recebeu 68.950 euros, em contas de que é cotitular com irmão e pais”, lê-se na acusação. Ao Expresso, Frasquilho justificou que tinha dívidas para com estes familiares, razão pela qual preferiu que o dinheiro fosse depositado nesta conta conjunta. O presidente da TAP disse ainda não ter conhecimento da origem do dinheiro.
O ex-vice-presidente do Banco do Brasil, Allan Simões Toledo, terá sido também um dos beneficiários do saco azul a troco de uma linha de crédito de 200 milhões de euros que abriu ao BES.
Em reação à acusação, os dois advogados de Ricardo Salgado defendem que o cliente “não praticou qualquer crime e esta acusação ‘falsifica’ a história do Banco Espírito Santo“. Além disso, são feitas críticas ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, “que, depois de apagar das fachadas uma marca com mais de 140 anos de existência, interveio neste inquérito-crime, em claro e manifesto conflito de interesses”.
O antigo administrador do Banco Espírito Santo, José Maria Ricciardi, diz que se tivesse sido ouvido o banco poderia ainda existir. “Propus o afastamento do dr. Ricardo Salgado e tinha toda a razão de ser, ao contrário dos comentários que ouvi na altura. Diziam que era incompreensível, etc. Tinha toda a razão. Se me tivessem dado ouvidos em 2013 se calhar o BES ainda existia”, disse à Rádio Observador.
“Ele obviamente não se demitia porque tinha que esconder aquilo que estamos a ver. Na altura fui muito criticado e tentou-se vender a ideia que queria o lugar dele, não era nada disso. Na altura, nem nos piores cenários alguma vez imaginei a extensão e gravidade das fraudes e crimes praticados e dos prejuízos causados a terceiros, nomeadamente aos lesados do Banco Espírito Santo. Se soubesse, ainda teria tentado ser mais incisivo e atuante naquilo que tentei fazer para evitar o colapso”, acrescentou.
Fonte: ZAP