O bastonário dos advogados considerou esta terça-feira haver uma justiça para ricos e para pobres por falta de custas e taxas judiciais “adequadas ao pais real” e defendeu o pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas por parte da Ordem.
“A justiça neste Portugal de Estado de direito democrático encontra-se, e manter-se-á, doente, enquanto não se adequarem as custas e taxas judiciais ao país real, enquanto mantivermos uma justiça para ricos e uma justiça para pobres”, afirmou Guilherme Figueiredo na cerimónia de abertura do Ano Judicial, que decorre esta terça-feira no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
Entende o bastonário da Ordem dos Advogados que uma adequação “proporcional e razoável” das custas e as taxas judiciais aos rendimentos das pessoas “permitiria o cumprimento efetivo do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais para todos os cidadãos, bem como a consideração política da justiça como bem essencial e não como um bem económico”.
Recordando o aprovado no Pacto para a Justiça sobre esta matéria, Guilherme Figueiredo defende que “não seria difícil sinalizar a vontade política de seguir este caminho”, dando como exemplo a dispensa dos trabalhadores “no pagamento prévio da taxa de justiça nas ações em que estivesse em causa a impugnação da extinção da relação laboral”.
Para o bastonário, a enfermidade da justiça reflete-se também na existência de um “sério défice de proteção de direitos fundamentais quando estão em causa atos administrativos ou jurisdicionais manifestamente inconstitucionais”. “A par das questões formais, também as custas aplicadas impedem o comum dos cidadãos de aceder à justiça constitucional”, frisou o advogado, alegando que “o acesso aos tribunais e o acesso ao Tribunal Constitucional é restringido de forma intolerável”.
O caminho, defende Guilherme Figueiredo, passaria pelo reconhecimento da possibilidade da fiscalização abstrata da constitucionalidade poder ser suscitada pela Ordem dos Advogados junto do Tribunal Constitucional. “Exortamos, assim, a Assembleia da República a assumir poderes constitucionais e a promover estas alterações que são essenciais ao pleno desenvolvimento do estado de direito democrático”, apelou.
No discurso no ato solene, o bastonário dos advogados sublinhou também a necessidade de a política desempenhar o seu papel no setor judiciário “com contenção e sentido da proporção e do espaço de cada um, mas sem demissão ou omissão”, e “sem confusão de papéis ou de legitimidades”.
Marcelo pediu exigência
Também na sessão solene, o Presidente da República apelou a “uma cultura cívica de exigência quanto à justiça”, mas que rejeite pré-julgamentos, partidarização do setor ou uma pessoalização que leve a “endeusar ou diabolizar” os seus agentes.
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que a todos cabe exigir “justiça igual, sem privilegiados nem desfavorecidos, solidamente fundamentada e célere”, assegurando-se para tal aos seus agentes “estatuto, condições e meios”.
O chefe de Estado centrou o seu discurso na necessidade de afirmação, na prática, dos valores do Estado de direito democrático e, ao longo de dez minutos, elencou os princípios que, no seu entender, a sociedade coletivamente deve promover no plano da justiça e aqueles que deve rejeitar. Como valores fundamentais a proteger, logo no início mencionou “a afirmação da independência dos tribunais e dos juízes“, bem como “a afirmação da autonomia do Ministério Público, essencial ao respeito dos magistrados que o integram”. Depois, passou àquilo que se deve recusar.
Fonte: ZAP