Meio milhão de euros terá sido desviado após a tragédia em Pedrógão Grande. Parte dos donativos destinados à reconstrução de habitações consumidas pelo fogo que atingiu a região terão sido desviados para obras não urgentes.
Uma reportagem da revista Visão, com o título “As casas da revolta”, denuncia as várias irregularidades no processo de reconstrução das casas ardidas, contornadas através da alteração das moradas fiscais. A investigarão aponta que algumas casas que nem sequer foram atingidas foram alvo de recuperação.
Os regulamentos que determinavam que casas seriam recuperadas com maior urgência terão sido contornados com base, essencialmente, na alteração das moradas fiscais, já depois da data dos fogos, para que habitações não permanentes fossem tratadas como primeiras casas – mesmo aquelas onde ninguém vivia há anos.
Um dos casos apontados, é o de uma casa há vários anos inabitada por morte do proprietário onde o filho terá alterado a morada para beneficiar do apoio à reconstrução. Outro caso, aponta a revista, os proprietários eram os avós com o herdeiro a viver fora do concelho desde que se divorciou.
Há também casas que já foram reconstruidas, mas que os proprietários têm morada fiscal em França. No total, são sete os casos descritos na reportagem, representando estes esquemas sob suspeita 5% da totalidade dos donativos.
Dos dez milhões de euros dos donativos dos portugueses, meio milhão poderá ter sido utilizado para reconstruir casas que não eram habitações permanentes e que poderiam ter esperado pela dotação orçamental.
A denuncia aponta ainda o dedo ao presidente da Câmara, Valdemar Alves, com acusações de favoritismo e “amiguismo”, assim como aos que têm estado à frente do Gabinete Operacional de Recuperação e Reconstrução, responsável pela avaliação das necessidades de recuperação de casas na área ardida.
A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa, garantiu à TSF que todos os procedimentos de verificação foram seguidos. “Quando uma família apresenta uma declaração das Finanças a atestar que aquela casa que ardeu é a sua morada fiscal, não temos competência para fiscalizar“.
Ana Abrunhosa assegura ainda que não houve qualquer denúncia, caso contrário, teria sido investigada.
Em entrevista à Renascença, Nádia Piazza, presidente da Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande, diz não ficar surpreendida com as irregularidades apontadas na reconstrução de casas que não eram consideradas urgentes.
“Tivemos conhecimento em conversas informais de populares, que vieram ter connosco”, explicou Nádia Piazza.
“As pessoas têm olhos na cara, sabem quem habitava, que casas estavam em ruínas e quais as casas que não eram primeira habitação“, diz, notando que as casas urgentes deveriam ter sido sinalizadas logo de início, “até para quem faz a gestão dos fundos ficar salvaguardado”, sustentou.
Nádia Piazza disse ainda que “o que aconteceu agora, a ser verdade, não surpreende“, considerando, no entanto, que estas situações “podiam ter sido acauteladas” com imposição de regras desde o início.
“São casos pontuais, acredito que sim, mas são suficientes para criar revolta” e estão a pôr em causa “a paz social” em Pedrógão Grande, contou, pedindo ao Ministério Púbico que faça uma “investigação séria”.
“Carece de uma investigação em pormenor, porque estamos a falar da solidariedade dos portugueses, rematou.
Em junho de 2017, os incêndios que deflagraram na zona de Pedrógão Grande, norte do distrito de Leiria, provocaram 66 mortos: a contabilização oficial assinalou 64 vítimas mortais, mas houve ainda registo de uma mulher que morreu atropelada ao fugir das chamas e uma outra que estava internada desde então, em Coimbra, e que acabou também por morrer. Houve ainda mais de 250 feridos.
Fonte: ZAP