Todos os grandes eventos do mundo têm a capacidade de o mudar. Cada guerra, cada pandemia, cada episódio climático. A caminhada da nossa espécie faz-se por caminhos que nos colocam constantemente à prova. Num dia tudo está normal, no outro tudo desaparece. E, quando abrimos a porta, o mundo que nos espera já não é mais o mesmo.
A pandemia que vivemos neste exato momento é mais um desses acontecimentos que têm o poder de mudar e moldar o nosso mundo. É um desses momentos que trás à superfície o melhor e o pior da humanidade. É um desses momentos em que o Homem é invadido e dividido por sentimentos duais. A solidariedade e a compaixão batem de frente e estrondosamente com um dos nossos extintos mais primários : sobreviver!
Vivemos provavelmente a maior mudança presenciada por esta geração e o mais assustador de tudo, falta-nos tempo! Tempo para viver, para decidir, estruturar! Tudo é decidido no momento, no agora, na emergência que a situação acarreta. A sociedade que reclama da falta de tempo, efetivamente não o tem agora! Mas por outro lado tem-no todo pois as nossas vidas estão estagnadas!
O mundo que não dormia é obrigado a adormecer enquanto a batalha ocorre no silêncio das cidades. Silêncio apenas quebrado pelo som das sirenes. Terá sido mais uma perda? Mais um soldado? Sentimento que rapidamente se transforma numa alegria envergonhada de felizmente não ter sido um dos nossos. Por agora resistimos. Como é cruel o pensamento humano.
Na clausura das nossas casas resta-nos imaginar quantos dos nossos vão sucumbir mas sempre com aquela eterna certeza que a humanidade não irá perecer.Contudo, quando a poeira assentar o sol não vai brilhar igual.
As mudanças serão inevitáveis. Há uma fenda aberta entre o que fomos e o que seremos.
Culturalmente, politicamente, economicamente, globalmente há um antes e um depois.
O mundo conectado em rede, a época da informação, do acesso rápido a conteúdo, o mundo global que quando posto à prova recolheu ao seu íntimo. A ameaça criou novamente barreiras.
As fronteiras voltam a reerguer-se e cada um se sente infinitamente mais seguro na diminuição da escala. Ora temos mundo, Europa, união europeia, Portugal, o nosso distrito, a nossa cidade, a nossa freguesia, a nossa casa. Quando para nos salvarmos e salvarmos o outro temos que nos recolher na nossa individualidade.
A humanidade tem portanto dois caminhos: ou recolhe ou partilha. Cada descoberta pode salvar vidas em todo o mundo mas, para isso, não podemos deixar que a iminência do perigo nos segue. O momento é propício para a quebra da confiança ou para o reforço dela. Cabe a cada um decidir.
Enquanto humanos temos finalmente um momento de introspecção. Climaticamente conseguimos ver que em pouco tempo o mundo muda! Sejamos mais conscenciosos.
Economicamente vemos que há mais opções e diferentes opções de trabalho. Podemos repensar formas mais libertadoras e mais rentáveis. As empresas vão descobrir que o teletrabalho pode ser uma ótima opção.
A distribuição do investimento terá que ser repensada. Afinal um sistema de saúde saudável é mais necessário do que equipamentos de guerra. Nem sempre o inimigo dispara uma arma.
Vivemos acima de tudo uma experiência social alargada. É tempo de refletir o que permitimos fazer, o que fazemos e como decidimos responder a uma crise como esta.
Seja qual for o caminho que a Humanidade decida seguir, uma coisa é certa: a estrada já não é a mesma.
Texto originalmente publicado no site Filosofia de VIda