Eram cerca das nove horas e quinze minutos de um domingo chuvoso, quando recebo uma chamada no meu telemóvel. Um amigo informava-me que carros dos bombeiros de Entre-os-Rios se deslocavam para a Ponte Hintze Ribeiro porque teria ocorrido um acidente com um autocarro. De imediato desloquei-me para a Ponte de Entre-os-Rios. Á medida que me ia aproximando da ponte, os gritos que se ouviam, iam dizendo o que jamais imaginara.
A tragédia da Ponte Hintze Ribeiro, a 4 de Março de 2001, lançou nas águas do Rio Douro, cinquenta e nove pessoas, trinta e seis das quais nunca chegaram a ser encontradas. Estávamos perante um dos maiores, senão o maior desastre rodoviário de sempre, ocorrido em Portugal. Aquela era a ponte que fazia a ligação entre os concelhos de Penafiel e Castelo de Paiva, encontrando-se registada como património da antiga JAE – Junta Autónoma das Estradas, pertencendo à Direcção de Estradas do Distrito do Porto.
Segunda feira, dia 19 de Novembro de 2018, dezassete anos depois, um troço de cerca de 100 metros da antiga EN255, desapareceu. Com o deslizamento de terras, duas viaturas e uma retro escavadora foram arrastadas para o fundo de uma das pedreiras de Borba que ladeiam a estrada municipal, transferida para o Municipio em 2005. Temos neste momento duas mortes confirmadas e três desaparecidos.
Agora tal como há dezassete anos era preciso informar. Informar com rigor e com precisão. O que, afinal, estava em causa eram vidas humanas.
Às duas horas e cinquenta minutos um jornalista da SIC convida-me para ir ao carro de exteriores daquela estação televisiva. Fiquei estupefacto quando em directo o super – ministro, Jorge Coelho, assume a culpa do acidente em nome do Estado e anuncia a sua demissão. Não havia memória em Portugal de um acto tão digno como este. Dezassete anos depois, em Borba e mais de oito dias depois, ainda só foi um Secretário de Estado, o da Proteção Civil.
Com efeito, o Ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, surpreende o País quando, em nome do Governo, se responsabilizava pelo sucedido e apresentava a sua demissão, cuidando, entretanto, de nomear uma Comissão de Inquérito liderada pelo Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, enquanto o Governo decretava dois dias de luto nacional, e o Executivo Municipal três dias de luto concelhio. Em Borba, nada disto agora aconteceu.
Enquanto Presidente da Câmara, na altura responsabilizei o Governo pelo acidente, com a declaração de Jorge Coelho o Estado assume a responsabilidade e decide indemnizar as famílias das vítimas e os detentores de bens materiais perdidos no desastre, podendo mais tarde exercer o direito de regresso. Em Borba, nada disto ainda aconteceu.
Em Março de 2001, cada hora que passava, começava a perder a esperança de se encontrarem corpos com vida. Em Borba, em 2018, também foi e está a ser assim.
Um dia depois, dia 5 de Março, o Senhor Primeiro-Ministro, Engº António Guterres, contacta-me e informa-me das medidas que o Governo tomou e vai tomar e diz-me que está a chegar ao Concelho. Em Borba, nada disto aconteceu, e o Primeiro Ministro diz que a estrada é municipal, e que a Direcção Geral de Geologia tem 45 dias para apurar as causas.
A Procuradoria – Geral da República anuncia que foi aberto um inquérito para apurar causas e eventuais responsáveis pelo acidente. Em Borba, o Ministério Público abre um inquérito ao acidente.
O Ministro da Administração Interna, envia equipas de apoio para o terreno e vem dirigir as operações em Castelo de Paiva, apoiado pelo seu Secretário de Estado da Administração Interna. Em Borba, ainda só lá foi o secretário de Estado da Proteção Civil.
No dia 6 de Março, dá-se a chegada do Presidente da República, Jorge Sampaio, que pede calma e paciência aos portugueses. Em Borba, o Presidente Marcelo Rebelo Sousa foi no dia seguinte.
É montado um Centro de Operações em tendas enviadas para o efeito pelo Serviço Nacional de Bombeiros, pelo Serviço Nacional de Protecção Civil e pela Marinha. Em Borba, agora também foi assim.
Os «brifings» à hora do almoço e à hora dos telejornais da noite começam a ser uma realidade, no louvável intuito de informar o País – e, particularmente, as famílias das vítimas, que nem sempre tinham acesso, no local, aos pormenores que, legitimamente, gostariam de conhecer, da operação em curso – acerca da evolução dos trabalhos, difíceis e complexos, no local. Em Borba também está a ser assim.
”.
Em 2001, quatro dias depois do acidente, a impetuosidade do rio tornava impossível a utilização de mergulhadores, apesar de estarem presentes no local. Em Borba o mesmo aconteceu.
Sob intervenção do novo Ministro do Equipamento Social, Dr. Ferro Rodrigues, demite-se o Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Estradas de Portugal. Em Borba, ninguém se demitiu em nenhum organismo desconcentrado da Admin istração Central.
A lição fora aprendida, mas tarde. Muito tarde! Era o preço da surdez manifestada, sempre, antes de 4 de Março: desde Abril de 1974 e até 4 de Março de 2001 o livro de honra da Câmara Municipal regista a visita oficial de cerca de vinte e seis governantes. Após quatro de Março de 2001, e num curto espaço de quarenta e três dias visitaram o concelho dezanove governantes, incluindo o Presidente da República, tendo alguns estado presentes mais do que uma vez.
Em 2001, António Costa era Ministro da Justiça, em Borba, é Primeiro Ministro.
Entretanto na Assembleia da República, os deputados indigitados para o Inquérito Parlamentar sobre “as causas, consequências e responsabilidades do acidente resultante do desabamento da Ponte sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios, tendo em vista o integral esclarecimento e a apreciação política. Em Borba, nada disto aconteceu. Perguntas que em 2001, a Comissão de Inquérito fez e que sobre Borba ainda nada se sabe:
a) das causas e das responsabilidades do acidente no quadro da obrigatoriedade para o Estado do integral cumprimento das leis e dos regulamentos aplicáveis;
b) da organização e funcionamento do sistema de conservação e reparação deste tipo de infra-estruturas, incluindo a apreciação da evolução das respectivas rotinas ao longo dos diversos enquadramentos orgânicos e funcionais dos serviços;
c) das opções e comportamento dos governos constitucionais em matéria de obras públicas e, nomeadamente, quanto às preocupações com a conservação e segurança dessas obras;
d) da actividade nestes domínios das administrações dos institutos públicos e outras entidades públicas de âmbito Nacional, regional ou local que por lei tenham tido responsabilidade na execução dessas políticas”;
e) Em que condições a via nacional passou, em 2005, para a esfera municipal ?
Tudo isto deixa os portugueses perplexos, e em reflexão.
Dezassete anos depois tudo volta acontecer. Pelo meio também caiu, em Águeda, a Ponte da antiga nacional 1 sobre o Rio Vouga, pelo meio houve o incêndio de Pedrogão em 2017, pelo meio houve muitos outras tragédias por incúria do Estado.
Saibamos definitivamente tirar todas as ilações, e de uma vez por todas, este tipo de tragédias têm de acabar.
Paulo Teixeira
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