As mães de madeira esbracejavam loucamente a folhagem frágil. Empurravam a vida pelas arrítmicas raízes de papel, frente-a-frente com a ventania agoniadamente cortante.
Recordo-me da fragrância cáustica que senti neste dia. Era diferente. Inundava-me a fronte com um amargo odor de dor.
Não percebi. Tentei não perceber. Naquele momento preferi mentir a mim próprio. Talvez fosse cegueira intencional, ou outra coisa qualquer que me pudesse oferecer a fresca esperança que nada daquilo estava realmente a acontecer.
Como se cada segundo da eternidade ficasse fechado no soluço assustado dentro da memória fumegante das candeias azuis, serventes de luz aos capacetes de aço.
Olhava em volta e duvidava da minha sanidade mental. Sim! porque as árvores gritavam! eu ouvia-as! Suplicavam socorro para elas e para os que nelas se abrigavam. Eu ouvi-as! mas não sabia o que lhes responder.
Não conseguia dizer nada. Fugia agarrado ao volante. No meu colo despertava a coragem assombrosamente petulante. Ao lado, mais a sul do meu corpo, arrepiava-me a labareda ensurdecedora do monstro quente e luminoso. Ardia-me a inquietação do alheio sofrimento. Segundos infindáveis, vividos na fimbria do tormento.
Havia uma grande distância entre a minha cabeça e as copas dançantes de brandura afiada: a noite cerrada, as colunas de fogo, o meu braço esquerdo e a porta negra do inferno ali mesmo escancarada. A chuva foi medrosa demais para acalmar os cavalos do diabo. A terra queimada esvaziou-se de alegria e as estradas atulharam-se de agitação retumbante.
E eu? ah, eu fiquei ali, inerte e impotente.
Oxalá que a recordação seja tão leve quanto a sua ausência.
Que todo o crepitar futuro seja o som dos anjos em clemência.
Abraça-me! Preenche-me novamente o olhar de exuberância verdejante e imensa,
árvore que choras lágrimas cinza de descrença.
É terrível quando percebemos que a finitude é infinitamente breve, inesperadamente forte e marcante quando, por sorte, dobramos as esquinas da morte. As sombras ganharam novas formas ao nascer do sol: pernas, braços, cabelos, olhos: gente.
Um manancial de pessoas de ouro. Adornadas de bondade granítica, coordenada pelos rítmicos movimentos sístole e diástole do coração-tesouro.
E sim, as árvores também dormem! naquela noite as mais belas adormeceram para sempre.
Tiago Lopes
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