Num primeiro momento, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu uma alteração “muito pequenina” da lei de nomeação de familiares, mas já pensa num plano alargado para limitar nomeações familiares, tanto no Governo como no Parlamento.
Marcelo Rebelo de Sousa tem defendido publicamente que a alteração legislativa que necessita de ser feita é “muito pequenina”, mas em Belém já se admite uma reforma mais ampla que estenda os impedimentos não só aos gabinetes parlamentares, como também aos da Presidência da República.
Apesar de este ser o cenário ideal, medidas deste género obrigam a alterações legislativas muito mais profundas do que aqueles que se admite fazer neste momento. No entanto, até as alterações mais simples são esperadas com pouca expectativa no círculo de confiança do Presidente da República.
Parlamento e Governo encaram-se à espera que alguém dê o primeiro passo, mas Marcelo é quem tem feito vários declarações a apontar os caminhos a seguir. Em Belém, traçar já o âmbito dos impedimentos é imperativo.
A dúvida que paira no ar é se estes impedimentos são só para aplicar ao Governo ou se os gabinetes parlamentares serão também abrangidos. A Presidência tem lembrado constantemente que o assunto pode e deve ser matéria da competência do Executivo, mas se o raio de abrangência for maior e incluir os gabinetes parlamentares, terá de haver também envolvimento da Assembleia da República.
De acordo com o Observador, a Presidência defende que se aplique a filosofia do código do procedimento administrativo, mas considera também que as disposições sobre incompatibilidades familiares se aplicam às nomeações de membros de gabinetes políticos e equivalentes.
Contudo, como os impedimentos previstos no código são limitados no que diz respeito aos graus familiares (apenas pais, filhos, netos e irmãos), a Presidência considera ser também preciso alargar o âmbito “familiar”, definir qual é o grau de parentesco abrangido (primos, por exemplo, já incluí um relacionamento familiar de grau mais distante).
Em relação ao principal problema na origem do familygate, as nomeações cruzadas, a solução é mais complexa, e Marcelo olha com bons olhos para o modelo francês: na sexta-feira, o Presidente referiu que em França existe desde 2017 “um controlo e uma limitação no caso de não serem familiares daquele que nomeia, mas de outros que partilham cargos de Governo, que devem ser comunicados a uma Alta Autoridade para a Transparência”.
Este tipo de solução poderia ser corporizado pela Entidade da Transparência, proposta pelo bloco de Esquerda, mas Marcelo olha para esta situação com algumas reservas. De acordo com o matutino, esta situação levanta dúvidas a Marcelo sobre se esta entidade deve funcionar como uma espécie de tribunal, ou se deve também ter o poder de aplicar sanções.
A solução preferida da Presidência é a existência de uma espécie de declaração de interesses familiares que deve ser comunicada à própria Assembleia da República. Esta solução não proíbe as nomeações cruzadas, mas tornam a informação pública e transparente.
Alterar o Código não muda nada
A posição do Presidente da República em relação ao Código de Procedimento Administrativo não reúne consenso no meio jurídico, havendo quem considere que uma alteração não mudaria nada.
Ao Observador, a advogada Margarida Olazabal Cabral afirma que “não é o sítio próprio”. “Não faz sentido no contexto do Código de Procedimento Administrativo”, comenta, adiantando ainda que o CPA “não tem nada a ver com nomeações”.
Para a advogada, esta lei “não está preocupada com nomeações e com quem pode ser nomeado”. Em vez disso, “regula a possibilidade dos titulares de órgãos políticos praticarem atos administrativos em relação a pessoas com quem tenham relação próxima”.
“O ato de nomeação é um ato político e não administrativo“, disse a advogada, apontando como possibilidade para alterações que possam ter efeitos nas nomeações governamentais a lei dos gabinetes ministeriais.
Questionada pelo diário sobre se esta lei não remete ela mesma para o Código de Procedimento Administrativo – no artigo 8º -, Margarida Cabral responde que sim, mas apenas “para efeitos de exercício de funções” dos membros já nomeados e não para as suas nomeações.
Por sua vez, Paulo Saragoça da Mata, especialista em direito administrativo, considera que as alterações são bem-vindas, mas estão longe de resolver o problema. “Se legislarem no sentido de incluir no CPA o impedimento de nomear familiares entre os membros dos gabinetes, estão a cobrir apenas uma pequena parte da realidade. O problema é que a vida tem sempre mais imaginação do que o Direito.”
Por mais diplomas que se criam, considera, haverá sempre “buracos” legais e “casos que não vão estar regulados”. Neste âmbito inserem-se, por exemplo, as nomeações cruzadas – quando um governante nomeia familiares de outro governante -, que ficariam de fora desta alteração cirúrgica ao Código do Procedimento Administrativo.
Fonte: ZAP