A súbita mudança de estratégia do PS em relação ao caso Sócrates não agradou a alguns históricos socialistas. Nomes como José Junqueiro, António Campos e Manuel Alegre já manifestaram o seu desacordo com a condenação pública do ex-líder, e consideram haver uma “atitude concertada” da direcção do partido.
As sucessivas notícias de envolvimento do ex-ministro Manuel Pinho em suspeitas de corrupção no caso EDP e de ter recebido dinheiro do Grupo Espírito Santo enquanto ministro de José Sócrates – ele próprio acusado pelo Ministério Público de crimes de corrupção – parecem ter levado a uma mudança de estratégia da direcção do PS.
Em menos de 3 dias, figuras proeminentes do PS como Fernando Medina, Carlos César, Ana Catarina Mendes, João Galamba e Augusto Santos Silva deixaram cair a postura de que o partido não se intromete em questões judiciais, e assumiram de forma clara, quase “a uma só voz”, que o partido se sente “envergonhado e enraivecido” com estes casos.
Finalmente, de visita oficial ao Canadá, foi o próprio líder do partido e primeiro-ministro António Costa a afirmar que em Portugal ninguém está acima da lei e que, “a confirmarem-se” as suspeitas de corrupção por membros do Governo de José Sócrates, será “uma desonra para a democracia”, precipitando a saída de José Sócrates do PS.
“Só há duas hipóteses: ou há aqui uma atitude concertada do PS ou é uma coincidência e vieram todos antecipar-se aos tribunais”, diz ao Observador o histórico socialista José Junqueiro, ex-secretário de Estado nos governos de António Guterres e José Sócrates, e visto como dos elementos próximos do ex-primeiro-ministro.
“Se é o líder parlamentar, se é o secretário-geral, se é a adjunta do secretário-geral, se é o porta-voz do partido, se é o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares, tão próximo de José Sócrates, se nunca o tinham feito até hoje e se, agora, fizeram em 48 horas” declarações tão contundentes sobre o caso, só há essas duas hipóteses, conclui Junqueiro.
Junqueiro diz ter sido tão “apanhado de surpresa” com as palavras “em uníssono” da hierarquia do PS relativamente a casos judiciais com figuras do partido como com a decisão de José Sócrates de deixar o seu partido. “É um dia muito negativo para o PS e um dia muito triste para a democracia em si mesma.
Junqueiro não é o único destacado militante socialista a insurgir-se contra a direção do partido por ter condenado publicamente a atuação de José Sócrates. António Campos, um dos fundadores do partido, considera que o PS se deixou enredar numa lógica de “julgamento popular” que agride a sua identidade originária e fere o seu ADN.
“Conheço isto de antes do 25 de abril, conheço dos tempos do PREC e conheço agora, com José Sócrates num julgamento em praça pública“, diz António Campos, que compreende a decisão de Sócrates de sair. “Ressentiu-se e tomou a posição”.
“O PS tinha uma posição institucional e que todos compreendíamos. Mas, a partir das declarações de Césares e Galambas, Lda., o problema já não se põe nesse patamar, põe-se no julgamento popular”, disse o histórico socialista à TSF.
Manuel Alegre foi um dos primeiros a manifestar a sua perplexidade com o facto de, de um momento para o outro, ter caído a estratégia de Costa com mais de três anos de separar o caso Sócrates da política e do PS.
Em declarações ao Público, ainda antes de ser conhecida a decisão de Sócrates de abandonar o partido, o histórico socialista alertou que o PS abriu a “caixa de Pandora” ao trazer agora o nome de José Sócrates de uma forma avulsa para o debate político. “Não confundo suspeitos e condenados” acrescentou.
“Abriram o saco dos ventos e agora não vão conseguir escapar ao tema no congresso. Repito: não é o local próprio mas agora vão mesmo de ter o tema no congresso”, diz Manuel Alegre.
José Junqueiro realça o que na sua opinião foi uma acção concertada da direcção socialista para “deixar cair” o ex-líder. “Há uma coincidência em tudo: nos termos, no tempo em que é produzido, na antecipação aos tribunais, no julgamento popular fulminante” a José Sócrates.
Será possível que em menos de 3 dias os dirigentes socialistas tivessem todos mudado de discurso e alinhado pelo mesmo tom sem que isso fizesse parte de uma uma estratégia concertada vinda de cima — do próprio secretário-geral?
Para Luís Patrão, figura incontornável do aparelho do Partido Socialista, e homem de confiança de quase todos os primeiros-ministros do PS, “um partido que não actue a uma voz não está a funcionar como devia”.
“Se as declarações fossem desencontradas, éramos desorganizados“, diz ao Observador o administrador não executivo da ANA. “Mas, pelo contrário, se se complementam, não nos podem criticar por isso“.
Fonte: ZAP