Está frio e chove, aqui, na cidade dos humanos. Fujo dos automóveis, escapo-me por entre as esquinas da solidão e corro desalmadamente em direção ao nada. Os semáforos parecem-se com as luzes de natal do pinheiro alto de minha casa, a chuva que agora me molha parece-se com a água da piscina em que eu brincava com as crianças. Só vejo movimento estranho à minha volta, um corrupio de sapatos que se cruzam amiúde com a minha sombra. Tudo parece misturar-se com a minha teimosia em encontrá-los…
Ontem dei voltas e mais voltas pela cidade à vossa procura, por todo o lado, o mais que pude, no final do dia achei algum conforto naqueles sofás rasgados, na berma da estrada. Não conseguia caminhar mais, os meus membros fraquejavam quando eu mais precisava deles, sentia que estava perto de vos encontrar. Sei que estão tristes depois de me deixarem cair do automóvel em andamento.
Eu não estou triste porque sei que eles virão.
O chão ainda treme, como ontem, naquele vão de escada metálico que me massacrava as costas enquanto era agredido por um aglomerado de pernas e braços que pegavam em mim e me atiravam ao ar, como as crianças, outrora, na piscina. Atiravam-me com uma força bruta de um lado para o outro, como as crianças na piscina. Sorriam e eu, impotente, gemia silenciosamente.
Queria acreditar que estavam apenas a brincar comigo, até sentir uma garrafa a partir-se na minha cabeça, arrepiei-me quando o vidro frio rasgou, sem piedade, a minha pele.
– Este já não sobrevive para contar a estória!
Sinto um último pontapé e fico ali, obedientemente quieto, subjugado à minha inutilidade irracional. Tento levantar-me para continuar, mas doía…doía muito!
Tenho o corpo manchado com um líquido vermelho que não sei muito bem o que é. Tento arrastar-me com o que sobra de mim, aos ombros do meu esqueleto. Não posso desistir, tenho que continuar a procurar a minha família, não se podem ter ido embora, afinal, eles amam-me!
O sol pardo do fim da minha esperança queima-me a carne viva das feridas, o desdém de quem passa congela-me a fé.
Pudesse eu encontrá-los! Pudesse eu voltar a brincar na piscina!
O líquido vermelho entope-me a respiração ofegante, sinto que vou partir com a mágoa de não os ver voltar.
Ninguém me poderá salvar! ninguém! só eles! O meu último desejo é para vocês, humanos, escrevam esta carta por mim:
” Sei que não fizeram por mal, peço-vos desculpa por não conseguir, eu sei que voltarão, já não estarei aqui, mas levo-vos no meu coração.
Até sempre,
Do vosso fiel e amigo cão “
Tiago Lopes